Domingo, 21 de Novembro de 2021 às 11:17, por: CdB
Aos olhos dos jornalistas estrangeiros que observam e escrevem sobre o Brasil lá de fora, parece que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e os seus ministros estão tentando boicotar o avanço da vacinação contra a Covid-19 para facilitar a eclosão de uma nova onda da epidemia no país. Abertamente, as autoridades brasileiras pregam pelas redes sociais contra a eficácia das vacinas e as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que buscam dificultar o avanço do vírus, como o uso de máscaras e a exigência do passaporte da vacinação para impedir a circulação de pessoas não vacinadas.
Por Carlos Wagner
Os brasileiros nunca vão esquecer os horrores causados pelo vírus por conta do atraso na compra das vacinas. Morriam mais de 3 mil pessoas por dia, os leitos de UTIs estavam lotados e os sistemas público e privado de saúde beiravam o caos. A falta de oxigênio hospitalar matava centenas de pacientes por asfixia nos hospitais de Manaus (AM) e em cidades do interior do Pará. Toda essa situação foi descrita no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid. O relatório aponta os responsáveis pelo caos — há matérias na internet.
Por que Bolsonaro e seus ministros apostam na volta do horror? O que vou dizer não é opinião. É um fato que todos os dias escrevemos na imprensa. Apostam na volta do horror porque foi o que restou para o governo ganhar espaços generosos nos jornais e desviar a atenção pública dos grandes problemas nacionais, como a inflação. Vejamos. O ministro da Saúde, o médico cardiologista Marcelo Queiroga, foi encurralado pelos senadores da CPI da Covid.
O que ele fez? Desceu de cima do muro onde se equilibrava entre o negacionismo de Bolsonaro referente ao poder de contágio e letalidade do vírus e os dados concretos que os cientistas mostraram sobre o perigo da Covid. E abraçou as teses do governo dando um show de estupidez em Nova Iorque, em setembro, ocasião em que fazia parte da comitiva do presidente da República que fez o discurso anual na assembleia geral das Nações Unidas.
Queiroga virou notícia mundial ao fazer um gesto com os dedos das mãos mandando um grupo de manifestantes “tomar no rabo”. Hoje, ele nega o que aprendeu na Faculdade de Medicina em troca do apoio do presidente para concorrer ao governo da Paraíba.
O ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, assinou uma portaria que proibia as empresas de demitirem funcionários que se recusam a se vacinar. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou a portaria de Lorenzoni. Mário Frias, secretário da Cultura, também baixou uma portaria, esta impedindo que os projetos beneficiados pela Lei Rouanet exijam atestado de vacina do público. A decisão de Frias virou notícia nacional. A joia da coroa foi a declaração do presidente da República de que a vacina contra a Covid aumenta o risco de contrair o vírus da Aids — há matéria na internet.
É grande a lista de ações do presidente Bolsonaro e dos seus ministros contra o avanço da vacinação no Brasil. Aqui quero refletir com os meus colegas, principalmente os mais jovens, trabalhando na cobertura dos fatos do dia a dia nas redações. Tenho dito, e vou repetir muitas vezes, que quando publicamos uma informação é como se apertássemos o gatilho de uma arma.
A bala disparada não volta para o cano. Assim é com a informação publicada. Ele pode ser desmentida ou tirada do ar. Mas a primeira versão publicada fica por aí circulando. É nisso que o governo aposta. Não é por outro motivo que continua insistindo no Kit Covid, um coquetel de medicamentos como a cloroquina que são ineficientes contra o vírus e provocam efeitos colaterais perigosos para a saúde.
Claro que não podemos, a cada matéria publicada, anexar uma tese sobre a estratégia do governo federal de usar fake news e outras práticas para afastar o foco da imprensa nacional sobre o que realmente acontece. Mas podemos advertir o leitor que a versão governamental é uma bobagem. Digo mais: a imprensa internacional usa como fonte de informação sobre o país a cobertura feita diariamente pelas redações.
E o noticiário do dia a dia enfrenta um grave problema, decorrente das demissões em massa de jornalistas que ocorreram nos últimos anos em todos as redações do país. Hoje um mesmo repórter faz texto, foto, áudio e vídeo. Não tem como exigir dele um trabalho mais aprofundado. Além disso, recebe um dos salários mais baixos já pagos na história do jornalismo.
Como vai acabar essa história? Pelos fatos que temos publicado, o Brasil real e o Brasil de Bolsonaro se distanciam cada vez mais. Um exemplo disso: enquanto o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmava (na sexta-feira, dia 12) na 26ª Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas (COP26) o compromisso do governo federal em acabar o desmatamento na Floresta Amazônica, o índice de derrubada da mata atingia níveis altíssimos.
É de se perguntar. Será que o ministro e as demais autoridades brasileiras acreditam que o resto do mundo que estava representado na COP 26 é formado por idiotas? Ou pensam que as ameaças de boicotar os produtos brasileiros feitos por europeus e americanos são palavras vazias?
A vacinação no combate à Covid avançou no país graças ao STF, à CPI da Covid e à organização dos governadores e prefeitos. E também graças à liberdade de imprensa, que manteve os leitores informados sobre a realidade dos fatos. Tenho escrito e vou continuar a escrever. A democracia brasileira é jovem. Mas tem mostrado musculatura suficiente para deter os ataques às instituições. Tenho dito isso para os colegas estrangeiros quando me perguntam sobre o futuro do Brasil. (PorCarlos Wagner, jornalista, escritor, editor do blog Conversas Mal Contadas, colaborador do Observatório da Imprensa)Direto da Redaçãoé um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalistaRui Martins.