Rio de Janeiro, 27 de Dezembro de 2025

De volta para o futuro

Por José Luís Fiori - Com Evo, Chávez, Bachelet, Lula e Kirchner, o cenário ideológico latino-americano ficou repleto de idéias. Podem dar certo ou errado, mas não há como impugná-las por serem antigas. Elas tem raízes na história da região, e não se pode dizer que fracassaram, já que sempre foram interrompidas pelos golpes da direita liberal. (Leia Mais)

Segunda, 12 de Fevereiro de 2007 às 10:41, por: CdB

Chama a atenção a ira dos conservadores. Mas também chama a atenção o desconcerto e a crítica da esquerda ao comportamento e às posições dos novos presidentes sul-americanos, em particular, da Venezuela, Bolívia e do Equador. No caso dos conservadores, por razões óbvias, de interesse imediato, mas no caso da esquerda, por motivos menos explícitos, e com argumentos mais sinuosos, que em geral escondem um preconceito profundo contra estes novos líderes indígenas, sindicalistas ou soldados que não conhecem o manual das boas maneiras, do "esquerdista perfeito". Quase todos estes intelectuais já gostaram dos personagens e enredos fantásticos de Alejo Carpentier, Garcia Marques, Vargas Llosa, mas muito poucos conseguem entender e se relacionar com o mundo real das sociedades hispano-indígenas, e com seus líderes que não são iluministas, nem intelectuais de salão. De qualquer maneira, durante os primeiros anos, todas as divergências e críticas pareciam reduzir-se a um problema de excentricidades pessoais. Até ali, os novos governos de esquerda da América do Sul pareciam condenados à mesmice, como se todos fossem prisioneiros perpétuos da "verdade científica" da economia neoclássica, e da "modernidade inevitável" das reformas neoliberais.

A origem deste pesadelo é bem conhecida: na década de 90, as teses neoclássicas e as propostas neoliberais se transformaram no senso comum dos governos, e de uma boa parte da intelectualidade sul-americana. Foram os "anos dourados" das privatizações, da desregulação dos mercados, e da crença no fim das fronteiras e na utopia da globalização. Mas mesmo depois das derrotas dos neoliberais, os novos governos de esquerda, recém eleitos, mantiveram o mesmo "modelo econômico". Eles não tinham objetivos estratégicos próprios e sua política econômica seguia sendo a mesma dos governos anteriores. Mas este quadro começou a mudar depois das nacionalizações do governo de Evo Morales. Num primeiro momento, pareciam medidas pontuais e indispensáveis à fragilidade fiscal do governo boliviano. Mas, depois, foi ficando claro que se tratava de uma ruptura mais profunda e estratégica com o passado neoliberal da Bolívia, e um anúncio do novo projeto de "socialismo do século XXI", que seria proposto, uns meses depois, pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela. E eis que, de repente, não mais que de repente, acabou a mesmice, e rompeu-se a "concertação por antagonismo" entre a "mão invisível" neoliberal e a "esquerda pasmada". Goste-se ou não, foi assim que ressurgiu, na América do Sul, a palavra e o projeto socialista, e depois disto, ao contrário do que muitos previam, a esquerda não se dividiu. Pelo contrário, clarificou a sua diversidade interna, e explicitou a multiplicidade dos seus caminhos sul-americanos. Como se pode ver, por exemplo:

i) no caso do projeto "socioliberal", do governo chileno de Michelle Bachelet, que vem modificando gradualmente o modelo econômico ortodoxo das últimas décadas, mas ainda se mantém muito distante do projeto socialista do governo de Salvador Allende. Assim mesmo, é cada vez maior o seu parentesco com as políticas da Frente Popular, que governou o Chile, entre 1936 e 1948, com o apoio dos socialistas, radicais e comunistas, privilegiando as políticas de universalização "com qualidade" dos serviços públicos universais de saúde e educação.

ii) no caso do projeto de "new deal keynesiano", do governo argentino de Nestor Kirchner, cada vez mais distante do "modelo econômico" do governo Menem. Depois da moratória argentina, o presidente Kirchner redefiniu suas relações com a "comunidade financeira internacional", e transformou em prioridade absoluta do seu governo a criação de empregos e a recuperação da massa salarial da população argentina, utilizando-se da formula clássica da social-democracia européia da "concertação social" para conter a inflação. Além disto, voltou a proteger a indústria, estatizou vários serviços públicos e lançou, recentemente, um programa de

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