Clinton e os democratas estão buscando um bode expiatório pela derrota. Todavia, não se pode esquecer os papéis criticáveis desempenhados por Edward Snowden, Glenn Greenwald e sobretudo Julian Assange neste tabuleiro. Eles que são – ou eram – exaltados por representantes da esquerda norte-americana contribuíram decisivamente para a derrota de Hillary Clinton e para a vitória de Donald Trump.
Por Antonio Tozzi, de Miami, EUA:
A eleição presidencial americana teve interferência externa, segundo fontes da CIA – a principal agência de espionagem dos EUA. De acordo com as informações recolhidas pelo órgão do governo federal, hackers baseados na Rússia entraram no website do DNC (Comitê Nacional Democrata) e pegaram emails do partido para detonar a candidatura de Hillary Clinton denunciando esquemas internos, dedurando doadores, enfim, produzindo todo tipo de informações negativas para prejudicar a ex-secretária de Estado do governo Barack Obama.
A tática funcionou. Para surpresa da maioria dos especialistas e institutos de pesquisas, Donald Trump acabou prevalecendo no Colégio Eleitoral e será o 45º presidente dos Estados Unidos da América, apesar de Hillary Clinton ter recebido mais votos. Ou seja, fosse eleição direta, ela teria vencido a eleição.
A reação do presidente Barack Obama à interferência indevida dos russos foi a expulsão de alguns diplomatas e espiãos russos durante as festas de final de ano. O presidente russo Valdimir Putin demonstrou seu desagrado, porém preferiu não exercer o direito de reciprocidade e manteve o pessoal do corpo diplomático dos EUA na Rússia.
Putin, que vem se transformando em um dos homens fortes do planeta, prefere apostar no bom relacionamento entre ele e Trump. Os dois governantes não escondem a admiração mútua. Na verdade, mais do que admiração, há vários interesses em jogo. E isto pode ser bom ou ruim para o mundo, dependendo do ponto de vista.
Um exemplo claro é a nomeacão de Rex Tillerson, ex CEO da Exxon Mobil, para o importante cargo de secretário Estado. Todos sabem que a Exxon teve os bens congelados por causa da invasão da Crimeia por parte das tropas russas, em consequências de embargos. O atual governo americano manifestou estar alinhado à Ucrânia – região onde está localizada a Crimeia – e consequentemente gerou descontentamento de Putin e dos membros de seu gabinete.
A guerra na Síria também colocou EUA e Rússia em lados antagônicos. Enquanto o governo americano passou a fornecer armamentos para os rebeldes sírios que lutam pela deposição de Bashar Al Assad, o governo russo decidiu apoiar integralmente o ditador sírio e suas forças armadas entraram com tudo no conflito para dizimar os guerrilheiros rebeldes e, de quebra, destruíram completamente a cidade de Aleppo.
Para o mundo, ter Putin e Trump à frente das duas potências não é bom presságio. Putin é frio, calculista e não mede esforços para conseguir seus objetivos. E ele não esconde de ninguém que pretende fazer da Rússia novamente uma potência temida, após o desmantelamento da antiga União Soviética. Se necessário for, ele colocará tropas para reconquistar territórios que julga pertencerem à Rússia como Ucrânia, Letônia, Lituânia e outros vizinhos que hoje constituíram-se em países independentes. Além disto, aliar-se à Síria e ao Irã garante o acesso a países fornecedores de petróleo.
Trump, por sua vez, aliou-se à alt right (direita alternativa) que repudia todo esforço empreendido por Obama em busca de energias alternativas baseadas em fontes renováveis. Tanto que seu governo está recheado de simpatizantes de fontes poluidoras como petróleo e carvão mineral.
Além disso, Trump questiona a veracidade da interferência de hackers russos na eleição presidencial (obviamente não falaria o contrário porque se, for verdade, coloca em risco sua vitória) e deve sepultar as investigações após tomar posse no dia 20 de janeiro. Ele prefere manter com Putin um relacionamento de respeito mútuo, ou seja, não quer interferir nos planos expansionistas do governante russo e pretende concentrar seus esforços no plano doméstico. Entretanto, este tipo de atitude não funciona para os EUA, pois a condição de maior potência do mundo exige sua presença em locais onde as pessoas estão sendo dominadas e, claro, os interesses americanos estejam ameaçados.
Portanto, por enquanto, Putin e Trump estão afinados no discurso de que Obama, Clinton e os democratas estão apenas buscando um bode expiatório pela derrota. Todavia, não se pode esquecer os papéis criticáveis desempenhados por Edward Snowden, Glenn Greenwald e sobretudo Julian Assange neste tabuleiro. Eles que são – ou eram – exaltados por representantes da esquerda norte-americana contribuíram decisivamente para a derrota de Hillary Clinton e para a vitória de Donald Trump, que reúne o que há de mais abjeto em termos de direita raivosa.
Só nos resta aguardar a posse Trump para sentirmos como será o mundo sob controle de uma pessoa que não parece cultivar a temperança.
Antonio Tozzi começou a carreira no Grupo Estado de S. Paulo, onde trabalhou como revisor, repórter e redator do extinto Jornal da Tarde. Também atuou em assessorias de imprensa na ZDL de Comunicação e Burson Marsteller, além de ter atuado no Departamento de Comunicação da Souza Cruz e feito free lancers para diversas publicações. Nos Estados Unidos, foi editor chefe de publicações como Florida Review e AcheiUSA, além de trabalhar na CBS Telenotícias, PSN e TNT. Atualmente atua como tradutor e também redator da revista In Miami Magazine.
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