Rio de Janeiro, 28 de Dezembro de 2025

Choques de gestão, bacalhaus e gambiarras

Por Flávio Aguiar: Um alerta ao meu amigo Saul Leblon: ao voltares a SP, deves evitar a região próxima ao cruzamento da rua Fradique Coutinho com a rua dos Pinheiros. Segundo as últimas notícias, as obras do metrô na área também têm problemas. (Leia Mais)

Sábado, 17 de Fevereiro de 2007 às 09:53, por: CdB

Meu caro amigo Saul Leblon,

Agora sou eu que te escrevo. Para te avisar, pois a última notícia tua que tive é que ias passar uns dias em São José dos Ausentes, no Rio Grande do Sul, na casa de tua amiga Márcia Escolástica, longe de internetes, blogues, notícias, longe de choques de gestão, de saber se o PT continua socialista ou se é republicano afinal, e nosso cotidiano aqui neste nosso vale de apreensões e euforias e de onde o Cruzeiro do Sul está longe demais para distinguir os risos das lágrimas, como diria o Rubião.

Estou escrevendo aqui na coluna porque pode ser que uma boa alma veja esta em São José dos Ausentes e te avise do que aqui redijo.

É que ao voltares para S. Paulo, assim desprevenido, deves evitar a região próxima ao cruzamento da rua Fradique Coutinho com a rua dos Pinheiros e adjacências. O motivo é que ontem deu no Jornal Nacional e em outros jornais televisivos e hoje está nas manchetes de alguns impressos (nem todos tiveram a coragem de colocar o assunto em destaque nos seus frontispícios para as bancas) que há problemas na estação que está sendo construída nesse ponto da Via Amarela, a nova linha do metrô de S. Paulo. Mas o motivo de minha apreensão e da vontade de te alertar de alguma maneira não é na verdade este.

Também não é fato de que houve reuniões a portas fechadas de responsáveis pela apuração das causas do Buraco na Estação Pinheiros, cujo desastre matou sete pessoas e deixou muitas diretamente abaladas e milhões de paulistanos com sua confiança abalada, com aquela sensação de que a qualquer momento um choque de gestão pode se abrir a seus pés e leva-los ou a seus filhos, pais, tios, amigos, namoradas, etc. desta para a pior.

O fato que me leva a esta medida extrema para te avisar do perigo que corres voltando sem mais aquela para S. Paulo, é que as empreiteiras responsáveis pelas obras lançaram uma nota garantindo que tudo está normal, que providências estão sendo tomadas para corrigir os erros, e que a população não corre risco nenhum.

"Aí deve ter coisa", eu pensei. Parece , Leblon, aquelas notas da Secretaria de Segurança de S. Paulo, durante a onda de ataques do PCC e a matança que se seguiu, garantindo que "tudo estava sob controle". Aí mesmo é que o pânico desandava e as multidões começavam a correr, mesmo a pé, para se trancar em casa.

O que aconteceu? Leblon, é inacreditável: gambiarras e bacalhaus, isto foi o que aconteceu. Este foi o novo choque de gestão, o turn key, que deveria mais propriamente ser chamado de turning point. Ao montarem o jogo de vigas de aço para segurar as paredes da obra enquanto as escavações são feitas, as folgas, entre as vigas, que deveriam ter no máximo uma folga entre elas de 3 a 4 milímetros, tinham algumas de até cinco centímetros, e preenchidas com... bacalhaus, não com solda! Bacalhau: palavra que a gente usava para descrever aquela peça de borracha que a gente colava na câmara de um pneu para quebrar o galho e chegar ao borracheiro mais próximo; ou que colocava dentro do pneu para tapar um rasgão, protegendo a câmara até chegar ao mesmo destino. Pergunto, Leblon, filósofo da Moóca: vivemos na era digital, ou na era do bacalhau? Bacalhau é choque de gestão? Espero que as madrugadas frias de São José dos Ausentes te propiciem a calma para a reflexão necessária à resposta abalizada a esta angustiante questão sobre a era em que vivemos.

Mas tenho outra tão angustiante: confiança no desempenho do mercado para regular obras públicas como essa do porte de um metrô para uma das maiores cidades do mundo nos levará a ser definitivamente o país da gambiarra? Não quero acreditar. Gambiarra sofreu um deslize semântico, meu caro Leblon. No nosso tempo de jovem só se usava a palavra para ligações elétricas improvisadas: podia ser no carro ou em casa. Era também uma emergência; um eletricista profissional jamais gambiarras. Depois o uso dos "gatos", as ligações clandestinas na rede elétrica, troux

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