No regime militar, quando o general-presidente Ernesto Geisel anunciou que iria fazer “abertura lenta, gradual e segura”, ele queria dizer que poderia haver democracia, mas não tanto. Era preciso evitar, por exemplo, que lideranças democráticas ressurgissem com força. A lupa estava em Juscelino Kubitschek, que passou a ser ainda mais cercado, até sua morte, em agosto de 1976
Por Jaime Sautchuk – de São Paulo:
Aliás, veio em bom momento a coluna “Quem Matou JK?”, de Urariano Mota, aqui no Vermelho, sobre o assassinato do ex-presidente Juscelino Kubitschek. É um relevante aspecto da história recente do Brasil, que merece ser lembrado pela sua própria relevância e pela coincidência com o momento atual.
É impressionante como o sentido estratégico do cerco feito a JK se parece com o que se faz agora a Lula. Resguardadas algumas diferenças; porque os militares faziam e aconteciam sem dar muita satisfação a ninguém. Agora não, tem a contribuição de setores logísticos do Judiciário que cumprem bem o papel. Mas o objetivo é o mesmo: se não podem matar, querem aleijar.
A propósito, fui buscar na estante o livro “O Essencial de JK”, de Ronaldo Costa Couto (Editora Planeta, São Paulo, 2013); em que ele detalha o dramático processo. A começar por uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL); algo insignificante em tempos normais, mas que à época jogaria o nome de JK na mídia, ganharia evidência.
Vale lembrar que, além de historiador, Costa Couto foi bem enfronhado no meio político. Foi um dos coordenadores da campanha de JK e muito ligado ao ex-primeiro-ministro Tancredo Neves.
JK
Citando fontes, ele diz que o general Golbery do Couto e Silva, mandachuva do gabinete de Geisel; se ocupou pessoalmente da derrota de JK e colocou outros ministros em campo, inclusive o da Educação e Cultura (MEC), Ney Braga. Com um detalhe: dependia do MEC a liberação de uma baita grana pra construção da sede da ABL e Braga ameaçou não liberá-la.
Em geral, não há disputa nos ingressos na academia. Mas pra o azar de JK, naquela ocasião havia dois inscritos e o concorrente era o escritor Bernardo Élis. Mas Braga ligou até a Jorge Amado e outros membros que eram francamente a favor de JK. Em seu livro, Costa
Couto publica trechos do diário que JK fazia, em que o ex-presidente escreveu, no dia 2 de setembro de 1975:
“Josué Montello contou que o Ney Braga telefonou-lhe de Brasília pedindo que se mantenha neutro no pleito da Academia.”
JK e Bernardo souberam do resultado (apertado) por telefonemas. JK estava na casa de sua filha Maria Estela e desligou o fone, pediu a ela que colocasse uma música no toca-discos e a chamou pra dançar.
Contudo, no mesmo dia, ele deixaria registrado em seu diário o seu real sentimento:
“Estou pulverizado por dentro. Pus muita fé na minha eleição. Desejava-a ardentemente, o prestígio que compensasse os imensos dissabores de 1964... Nunca imaginei que uma derrota pudesse me ferir tanto.”
Assassinato
No início da noite do dia 7 de agosto de 1976 (15 dias antes da sua morte); começou a chegar amigos à Fazendinha JK, em Luziânia (GO); onde o ex-presidente se refugiava e não tinha telefone. Mas, pra surpresa e alegria geral ele estava são e salvo, vivinho da silva. É que os visitantes haviam ouvido no rádio que ele havia morrido em acidente de carro ali, no interior de Goiás.
Embora recolhido, JK era a maior ameaça à vista. E tinha gente vazando coisas; cantando a pedra.
Adolpho Bloch
Dias depois, 20 de agosto, ele foi de avião de Brasília a São Paulo; onde se hospedou na Casa da Manchete, com o amigo Adolpho Bloch; pra no dia seguinte fazer palestra no Clube Nacional; e participar de um jantar com lideranças político-econômicas; entre as quais ex-governadores de vários Estados.
Na manhã seguinte, tomou café na Manchete e, de lá, foi com Adhemar de Barros Filho à casa deste; pra rever afilhados em visita rápida, mas acabou seduzido pelo cheiro da macarronada e ficou pro almoço.
Tinha no bolso a passagem de volta a Brasília naquele dia. Mas, de modo bastante confidencial, iria mudar os planos; em combinação com dona Sarah e o motorista carioca Geraldo Ribeiro. Iria de carro ao Rio de Janeiro; onde teria compromissos particulares.
SP
Tudo correu bem em solo paulistano e até o km 165 da Via Dutra, na altura de Resende (RJ). Ali, o Chevrolet Opala 1970, cinza-metálico, de Geraldo; com JK no banco de carona, se desgovernou e foi pra pista contrária. Colhido de frente pela carreta Scania-Vabis placa ZR-0938 (Orleans-SC); virou um amontado de ferros, com os corpos de JK e Geraldo no meio.
O ex-presidente morreu no ato, mas o motorista Geraldo apagou antes de perder o controle do carro. A perícia da Polícia Rodoviária dizia que o Opala teria sido abalroado por trás pelo ônibus prefixo 3148, da Viação Cometa; que ia no mesmo sentido. Porém, seu condutor Josias Nunes de Oliveira; sempre negou qualquer batida; ele diz que viu o acidente à frente e parou pra dar socorro; fato confirmado duas vezes pela Justiça local.
Justiça
-- “Se eu fosse fraco, teria feito bobagem. É duro pagar sem dever.”, disse Josias em entrevista publicada por Costa Couto em seu livro.
O fato é que uma informação de que havia uma marca de bala na testa do motorista nunca foi confirmada. De todo jeito, no momento atual, muita gente; inclusive de escala superior do Judiciário, vem de novo cantando a pedra, mas agora sobre o; que irá ocorrer com o ex-presidente Lula. Os personagens mudam, mas os interesses são os mesmos do golpe de 1964 e da ditadura militar.
Jaime Sautchuk, é jornalista.