Um golpe, com tanques ou com votos calculados de parlamentares, é um golpe. Indica que a desordem natural das coisas, uma vez adotada em relação ao essencial, a legitimidade do governo, está permitida também nos outros planos da vida social
Por Tereza Cruvine - de São Paulo:
Nesta semana de Natal tivemos mais dois exemplos da subversão da ordem natural na vida institucional: um procurador da República, em nome da Lava Jato, atacou frontalmente o presidente da República com um discurso de forte tom palanqueiro.
O presidente é ilegítimo mas editou um decreto de indulto natalino com base constitucional. Um juiz de primeira instância acusou um ministro do Supremo Gilmar Mendes de ter concedido um Habeas Corpus ao preso Garotinho motivado por uma “mala grande”.
CNJ
Finalmente, o CNJ deve abrir um procedimento disciplinar, embora outros juízes tenham tantas vezes abusado de suas prerrogativas; como os que autorizaram ações policiais arbitrárias contra dirigentes da UFSC e a UFMG. E para coroar as anomalias; temos o roteiro em marcha para tirar da disputa eleitoral o candidato favorito, o ex-presidente Lula.
Temer é o maior responsável pela subversão que está levando o país ao estado de anomia. Chegou ao governo pelo golpe, impôs uma agenda contrária à que foi aprovada nas urnas; desconstruiu políticas públicas, comprou votos para se manter no cargo e aprovar reformas como a trabalhista.
É claro que seu indulto natalino buscou favorecer corruptos de sua turma mas isso foi novidade apenas para o procurador Dallagnoll. Quando ele aliciou deputados para escapar das denúncias de Rodrigo Janot, o procurador não estrilou. Mas seja quem for o presidente, e seja qual for a origem de seu mandato, um procurador não é um feitor da República.
Não é dotado de onisciência ou onipotência que lhe permita censurar a todos, especialmente ao eleitor. Pois foi com uma nova advertência sobre como devem votar os brasileiros em 2018 que Dallagnoll encerrou seu libelo contra Temer.
Lava Jato
A Lava Jato é outra grande responsável pelo esgarçamento da normalidade. Desde sua emergência, em 2014, atuou seletivamente com objetivos políticos, vazou depoimentos sigilosos na véspera do segundo turno, forçou delações premiadas, alongou prisões preventivas desnecessariamente e sem razões consistentes, usou as conduções coercitivas como mecanismo de intimidação ou exposição pública de investigados.
Deve-se reconhecer em Gilmar Mendes a solitária disposição, no STF, para conter os abusos, embora em outros momentos ele não os tenha apontado, como por exemplo, na condução coercitiva do ex-presidente Lula, que ele mesmo impediu de assumir uma pasta ministerial com Dilma. Agora, porém, não vai ser fácil enquadrar a Lava Jato nos ditames legais.
O ano que se aproxima será o divisor de águas para o futuro. Não é a economia, que segue campengando apesar da propaganda governista, que orientará o futuro. Ele dependerá essencialmente de nossa capacidade de restaurar a normalidade, contendo esta propensão generalizada para o voluntarismo.
Todos tratam de impor suas vontades, convencidos de que são portadores da verdade. As eleições não abrirão o novo caminho se acontecerem sob a égide deste vale-tudo decorrente do golpe, que tenta naturalizar até a obstrução da candidatura Lula, num recuo aos anos 50 em que Carlos Lacerda dizia: JK não pode ser candidato. Se for candidato, não se elegerá. Se for eleito, não tomará posse.
Ou as coisas voltam ao seu lugar normal, ou continuaremos no labirinto.
Tereza Cruvinel, é jornalista.