Hemoderivados são medicamentos fabricados a partir da industrialização do plasma do sangue humano. Um dos mais importantes é a imunoglobulina, utilizada no tratamento de deficiências do sistema imunológico, incluindo doenças degenerativas como miastenia e esclerose múltipla. Milhares de pessoas no Brasil dependem desses medicamentos para poderem levar uma vida normal.
O problema é que, nos últimos meses, começou a faltar imunoglobulina humana endovenosa nas prateleiras dos hospitais, inclusive no Hospital das Clínicas de São Paulo, o maior do país. Tenho uma pessoa muito próxima a mim que precisa do medicamento e sei como a demora no tratamento causa complicações para a sua saúde.
O motivo é bizarro: os Estados Unidos, principal exportador de plasma sangüíneo, suspenderam as vendas devido à demanda por esses medicamentos pelos militares na Guerra no Iraque. O Ministério da Saúde afirmou que possui estoques de emergência e que a alternativa, no curto prazo, é buscar no mercado internacional outro fornecedor além dos EUA.
Duas lições podem ser tiradas desse episódio:
1) Apesar das iniciativas do poder público para substituir a importação de medicamentos, produzindo-os em solo brasileiro, o ritmo desse processo está muito lento. Perdem os pacientes e perde a economia. Com a crise gerada pela falta de imunoglobulina, o governo federal prometeu contratar uma empresa para fracionar o plasma brasileiro, para que sejamos menos dependentes de produtos externos. Espero que isso não fique retido no contingenciamento de gastos para gerar o superávit de 4,25% a fim de pagar a dívida externa...
2) Há compradores espalhados pelo mundo dispostos a comprar e vendedores nos EUA dispostos a vender sob o preço de mercado. O governo norte-americano ao intervir nessa relação econômica rasga a própria cartilha de livre comércio global que defende arduamente, mostrando que opera um capitalismo "self-service": usa as regras que lhe convém e deixa o resto de lado. Vale a pena registrar isso para quando nos acusarem de interferência em nossa própria economia.
No final das contas, a Casa Branca e o Pentágono vão ter sobre os ombros outras baixas causadas por essa guerra estúpida, além daquelas descritas pela contagem oficial de corpos no Iraque.
Leonardo Sakamoto, jornalista e cienstista político, é membro da ONG Repórter Brasil.