Rio de Janeiro, 08 de Dezembro de 2025

A mulher torturada

Por Maria Fernanda Arruda - A contestação demandou tempo para organizar-se mas surgiu e se fez, como resultado da coragem dos que enfrentaram a violência, tortura e o assassinato: a coragem dos que não se submeteram ao processo odiento da aniquilação de suas personalidades.

Sexta, 03 de Junho de 2016 às 10:15, por: CdB

Em 1964, quem sabe pela primeira vez, homens e mulheres brasileiros anularam diferenças de sexo, fazendo-se iguais, enquanto guerrilheiros da Pátria

Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro:
O golpe de Estado de 1964 foi montado cuidadosamente pelas elites civil e militar, envolvendo grande parte do povo brasileiro, e não só as classes médias, oferecendo-se a ele o manto protetor do anticomunismo mackartista, isso aconteceu e foi aceito em tal grau que a reação imediata no País foi a do silêncio dos mortos. A contestação demandou tempo para organizar-se mas surgiu e se fez, como resultado da coragem dos que enfrentaram a violência, tortura e o assassinato: a coragem dos que não se submeteram ao processo odiento da aniquilação de suas personalidades.
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Maria Fernanda Arruda Em 1964, quem sabe pela primeira vez, homens e mulheres brasileiros anularam diferenças de sexo, fazendo-se iguais
E, se os torturadores foram feitos definitivamente impunes, traço mais profundo da "democracia consentida" que nos foi doada, as vítimas estão identificadas, constando de várias listas, completadas com relatos e histórias. Entre elas há um número muito expressivo de mulheres, a então jovem Dilma Rousseff. Em 1964, quem sabe pela primeira vez, homens e mulheres brasileiros anularam diferenças de sexo, fazendo-se iguais, enquanto guerrilheiros da Pátria. Quando aprisionados, voltavam as diferenciações: as mulheres eram submetidas ao ritual da tortura, mas adicionalmente foram humilhadas na sua sexualidade, submetidas à barbárie de animais machistas. O estupro será sempre um crime hediondo de tortura; em muitos casos, crime político hediondo. Entre as mulheres torturadas, Dilma Rousseff. Estupradores podem ser os senhores de uma mulher aprisionada? Por que jovens bem vestidos e bem alimentados raptam uma menina de oito anos e a torturam, a estupram e a matam? Pelos mesmos motivos que conduziram trinta marginais a estuprar uma jovem e tornar público o seu ato criminoso. Sim, vivemos uma sociedade "machista". Indignados com todos os motivos possíveis de serem alinhados, mal conceituamos o "machismo" e não pesquisamos as suas causas. Mas ele existe em todas as classes sociais, não é privilégio de marginalizados socialmente. A sociedade machista é puritana e hipócrita, ela condena o sexo e, muito mais, toma como sujo e indecente tudo o que a ele possa associar,começando pelo corpo humano.Não podendo eliminar o que é instinto, o que há de mais humano é metamorfoseado em imundície, a genitália feminina é posta como a mais desprezível: é quando o macho não procura a fêmea para satisfação sexual, mas para puni-la com a sujeira de seu esperma. Isso precisa ser muito lembrado e nunca esquecido, para que bem clara a inutilidade de leis e outras construções teóricas possam ser erigidas nos Palácios do Poder. Mais valeria a contribuição de mães, renunciando à representação do papel de Jocastas, recondicionando a coragem de assumir-se como fêmeas, perante seus filhos. Como regra de pequenas exceções, mães brasileiras não permitem que seus filhos a vejam assumindo vontade sexual. O machismo é a distorção promovida pela sociedade religiosa marcada pelo estigma do pecado. A nudez das índias, duplamente descobertas, ao mesmo tempo assustou e atraiu o branco europeu, inclusive os jesuítas, como canta e conta Gregório de Matos, o poeta maldito. Na Bahia, a África brasileira,mulheres ostentam com orgulho sua condição de fêmeas, sacerdotisas de sua religião, Iemanjás de carnes,peitos e bundas de sereia. Para nós brasileiros, os brancos trouxeram o conceito de pecado e a sífilis. A violência nas relações sociais, desigualdades e injustiças foram agentes promotoras.À elas somam a estupidificação que a sociedade alienada e consumista promove. Na sua bestialidade imensa, o estupro é uma tara inerente q tal sociedade imbecil construiu. Não precisamos de leis mais severas, como se fossem poções mágicas. Que elas existam, enquanto praticados esses crimes hediondos.
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Os marginais que praticaram o estupro múltiplo de uma jovem de 16 anos serão identificados, presos, julgados e condenados (suavemente). Os acoitados pela ditadura que torturaram, violentaram e mataram uma menina de 8 anos ficaram sob a proteção do poder. Os que estupraram nos subterrâneos do DOI/CODI foram anistiados e puderam percorrer os corredores dos palácios da "democracia consentida." O machismo dos notáveis líderes políticos brasileiros hoje, passa por poucos comentários, ao ser desnudado na linguagem desabridamente grosseira dos diálogos gravados pelos "delatores premiados".
dilma-mf.jpgDilma e a colunista Maria Fernanda Arruda, na manifestação desta quinta-feira
Voltemos ao princípio: a ditadura imposta em 1964. A experiência não se repete , pois de fato a História não comporta repetições. Em 2016 estamos experimentando o golpe de Estado envergonhado e vergonhoso, baseado em interesses pequenos de homens vis. Muitos brasileiros não aceitam a encenação armada por um circo mambembe, que se exibe com título e rótulo muito evidentes: "bye, bye, Brazil".Novela mentirosa e machista tentando deformar a respeitabilidade de uma mulher. Se, um dia, uma multidão optou por Barrabaz, hoje, um pequeno grupo de homens inocenta Eduardo Cunha e pede a vida de Dilma Rousseff que suportou a tortura, sem denunciar. Ela é mulher, e isso as figuras que povoam a política brasileira não perdoam: precisam estupra-la, exaltando as mulheres belas, recatadas e do lar. O estupro não se pratica apenas contra a Presidente eleita por 54 milhões de brasileiros, mas contra todos eles, contra nós. O ministério Michel Temer pratica o estupro coletivo, composto por anões, ladrões, mentirosos, incompetentes, machistas,homofóbicos e criminosos. As mulheres estão nas ruas, enfrentando a violência dos policiais da Gestapo de São Paulo. São avós, mães, senadoras ,deputadas,blogueiras, fazendo ouvir suas vozes, defendendo a República e a Democracia(nomes femininos). Sempre com seu corpo, frente aos ideais políticos. Hoje, não mais apenas um símbolo. Todos queremos que eles estejam no corpo e na alma de Dilma Rousseff, que somos todas nós. Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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