O Brasil está à beira do precipício, corroído a 90% pela metástase da corrupção, transformada em ideologia componente da estrutura do poder, com o apoio da maioria dos intelectuais, muitos deles comprometidos. Não há como se diferenciar esquerda da direita, que se confundem. As próprias relações familiares e pessoais sofrem nesse clima de caos bordélico.
Por Rui Martins, de Genebra:
Caros amigos e parentes, recebi e vi o vídeo, por isso arrisco um comentário e junto um texto meu publicado no Correio do Brasil. Sei que política hoje no Brasil é tema difícil de abordar com familiares porque pode provocar reações capazes de esfriar relações. Talvez nós latinos sejamos mais temperamentais que os europeus.
Apoiei o governo Lula nos seus aspectos sociais que transformaram muita coisa no Brasil. Me lembro dele nos falando no Itamaraty, figura carismática, que desejava negros na nossa diplomacia. E, realmente, as cotas estão fazendo isso, permitindo que o Brasil tenha um governo mestiço, como é nossa população. Mas não foram só as cotas, houve uma verdadeira transformação visível para mim que visito o país com espaços de ausência.
Me lembro também de Lula sendo aplaudido em standing up, no encerramento de uma conferência da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, como líder incontestável dos países emergentes.
Mas como escrevi em 2005, no meu livro sobre as contas secretas de Maluf, sem esquecer que esse tema me custou a demissão da CBN, vale um pequeno comentário. Sempre acreditei na veracidade do Mensalão e deixei isso escrito nessa época, junto com a declaração de que para quem não acredita em deus fica ainda mais difícil acreditar em ícones ou deuses.
A... pode confirmar, pois na visita que fizemos a uma antiga resistente à ditadura militar, Wilma, de origem inglesa e libanesa, ela queria que eu telefonasse ao Zé Dirceu para lhe dar meu apoio. Chegou mesmo a discar para ele, felizmente estava ocupado. Não telefonei, mesmo se tinha o número, porque acreditava no Mensalão.
Mas como escrevi no livro, muitos partidos europeus e inclusive a direita suíça se utilizam de um tipo indireto de Mensalão para dominar o Parlamento. Fiz vista grossa, mas não queria formalizar apoio e achei ridículo meu amigo e antigo correspondente da Veja em Paris, Paulo Moreira Leite, escrever até um livro provando não ter havido Mensalão. Afinal, ele é o editor-chefe do site Brasil 247, financiado pelo ex-governo Dilma como tantos outros sites e blogs, embora jurassem ser independentes.
Continuei apoiando Lula, sabendo não ser um santo, e estranhei mesmo porque em lugar dele, o PT escolheu o caminho de uma reeleição de Dilma, em 2014. Participei com meus amigos petistas, mesmo como simpatizante sem carteirinha, da redação de um documento sobre os emigrantes que foi enviado à Casa Civil pelo PT Internacional. Posso dizer com certo orgulho que metade do texto desse documento foi escrito por mim, mas com tristeza conto também que esse documento não foi considerado pela Casa Civil.
A... poderá confirmar que fui com ela à sede paulistana do PT, onde conversamos com meu xará Falcão para cobrar da Casa Civil uma reação do Garcia, visto o grande número de emigrantes brasileiros e que a inclusão deles no programa de Dilma seria importante. Não houve nenhum retorno, mesmo se insisti e idem o PT Internacional, pois o tema também tinha sido discutido na reunião do PT Internacional em Havana.
Incrédulo como sou e de sangue espanhol mesmo a 50%, comentei - eles querem que as bases trabalhem para se manterem ocupadas mas tudo já está resolvido pela cúpula. Como me mostrei muito independente e recusava me benzer com o catecismo petista, dizendo o que julgava estar errado, me tornei persona non grata e meu nome e email foram retirados da lista do grupo, a fim de não infectar outros.
Não sou homem de igreja e nem de partido. Divirjo de deus e acho que se existisse fez um péssimo trabalho ao criar nosso mundo, mostrando sua imperfeição e, portanto, não seria diante dele que iria dobrar meus joelhos. E nem de ninguém!
Portanto, analiso com objetividade e sem nenhuma paixão essa história de Petrobras, Lava Jato e Sérgio Moro.
Continuar dizendo não há provas é uma besteira muito grande e falta de discernimento e agir como um fanático jiadista petista. Dirceu foi preso pelo ministro Barbosa com a tese do domínio do fato, e aceitou sua pena. A operação Lava Jato tem mostrado empreiteiros comprometidos, a Suíça tem enviado ao Brasil os extratos bancários de muitos empreiteiros e políticos envolvidos no Petrolão, portanto, dizer não há provas é querer ser cego voluntário.
Afirmar que a Operação Lava Jato está matando a indústria nacional e a empreiteira Odebrecht é uma piada, exceto se a pessoa justifica a corrupção. Isso é uma versão do rouba mas faz - vamos deixar as empreiteiras em paz porque elas roubam mas fazem entrar divisas no Brasil. Ora, nisso não acredito porque o dinheiro obtido com obras no Exterior não entra no Brasil. Deixem de ser tolos. Esse vídeo é uma farsa e uma imoralidade. E pessoalmente não justifico empresas corrompendo políticos e sendo corrompidas, sejam quais forem. Senão isso vira o caos, e não é que já virou?
Para encurtar, vocês que sempre reclamaram de um Justiça inexistente, que só punia pobres, têm pela primeira vez na história brasileira juízes com coragem suficiente para colocar na cadeia os ricaços da corrupção. E não só petistas, tem gente de todo lado, porque a corrupção no Brasil parece hereditária, genética, está no ADN, faz parte da nossa cultura de gente esperta.
Tudo bem, vão me dizer que corrupção sempre houve e que é jogada da direita ficar nessa de condenar a corrupção. O problema no Brasil é que aquela corrupção que sempre existe aqui e ali, foi demais, passou dos limites, virou forma de governo, virou uma bordel brasileiro.
E eu, vocês me desculpem, não vou defender nenhum corrupto que do financiamento de partido passou para o enchimento dos seus bolsos.
A ideologia da corrupção como sistema de governo?
Sérgio Moro é o Falcone brasileiro. Provavelmente vai acabar mal como todos os justiceiros. Ele é o médico que diagnosticou o câncer em fase final com metástase no organismo político brasileiro. O médico pode se tornar antipático por revelar a doença, mas não é o culpado. A doença precisa ser tratada.
Desse caos brasileiros não vejo como sair, ainda mais estando longe, porém não é se negando os fatos e fazendo de conta não ver, achando que a culpa é dos corruptos do outro lado, os tucanos, que se vai achar a solução. Na minha opinião, estamos num momento de denúncia e de busca dos responsáveis.
O PT falhou ao não fazer sua autocrítica, porque isso impede o começo do tratamento.
E, nestes últimos dias, o recuo do STF diante do presidente do Senado ajuntou mais um capítulo indecoroso à nossa realidade.
Para onde vamos? Sem dúvida para o precipício.
Junto meu artigo no Corrio do Brasil - http://www.correiodobrasil.com.br/camara-quer-legalizar-e-descriminalizar-corrupcao/
Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.
Editor do Direto da Redação.