No momento em que o jornal, revista, site ou outro meio de comunicação qualquer revela o mínimo detalhe capaz de desnudar a identidade da fonte, comete crime contra a Humanidade.
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
A proteção à fonte, origem de uma notícia, está para a prática jornalística como o ar aos organismos que o respiram. Não é à toa que as constituições de países, nos quadrantes da Terra, a protegem como a uma jóia rara. Sem a certeza de que se preservará a origem que desvenda escândalos como o Watergate, nos EUA, apenas para citar o mais emblemático, simplesmente, não há como o Jornalismo existir. Não se tergiversa sobre a proteção àqueles que, ao confiar até suas vidas ao jornalista, revelam desmandos, crimes e abusos de toda sorte.
No momento em que o jornal, revista, site ou outro meio de comunicação qualquer revela o mínimo detalhe capaz de desnudar a identidade da fonte, comete crime contra a Humanidade, sem qualquer exagero. Não há perdão para aquele que colocar em xeque a credibilidade da Imprensa. Não cabem desculpas a quem trai, de forma sórdida, aquele que depositou sua fé na coragem do jornalista que por desídia ou pior, covardia, entrega aos algozes quem acreditou no agente da Opinião Pública.
Entregou tudo
Em condições ideais, o jornalista, blogueiro, ou algo que se compare a ambos, que cometa o estupidez de revelar, publicamente, sua fonte deveria ter, ali, sua carreira encerrada. Ser afastado, para o bem dos seres humanos, de um meio de comunicação.
Da mesma forma, teria as portas cerradas aquele veículo que cometer a tamanha sordidez. Este, com certeza, é o entendimento da maioria dos leitores. Não o é, infelizmente, da Justiça. Esta, muitas vezes, pressiona às raias da loucura os repórteres para que revelem de onde partiu a denúncia. Muitas vezes prendem, arrebentam. Matam.
É em respeito a eles, heróis que defenderam suas fontes sob tortura, prisão e mesmo com suas vidas que não se pode deixar em branco a ação do site The Intercept, com sede nos EUA e no Brasil. E, apesar das circunstâncias, a atitude do blogueiro Eduardo Guimarães, de entregar — de pronto — o nome do informante que adiantou a revista no apartamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele o fez de graça.
Desmando jurídico
Bastou ser conduzido a uma delegacia da Polícia Federal (PF), ainda que de diante uma ordem absolutamente autocrática do juiz Sérgio Moro, para soltar a língua. Não bastasse dedurar o nome de sua fonte aos policiais, repetiu a vileza à mídia que o aguardava do lado de fora. Ao vivo e aos quatro ventos, reconheceu o seu ato.
Embora ignorância não sirva de desculpa, uma vez que Guimarães não é jornalista, apenas opina em um blog, ao entregar a identidade do seu confidente o fez com desenvoltura. O fato de ter sido vítima de um desmando jurídico não o isenta. Ao contrário, incrimina-o pela incontinência verbal.
Destino selado
Guimarães pecou, mortalmente, mas o resultado de sua delação expontânea não causou prejuízo maior à fonte revelada. Esta segue viva e livre. Meno male. Não foi, porém, o caso do Intercept. Fundado pelo jornalista Glenn Greenwald, que se celebrizou pelas revelações do espião Edward Snowden ao diário inglês The Guardian, a publicação abriu espaço para um informante sobre possível atuação do governo russo nas eleições norte-americanas.
Embora tenha publicado a informação vazada, entregou de bom grado a cópia da documentação e outros dados indiretos sobre seu informante aos agentes do governo dos EUA. Selou, assim, o destino de sua fonte.
A publicação ainda tentou se justificar, afirmando que dedurou mensageiro com o objetivo de “checar a veracidade” da mensagem. Em questão de horas, Reality Leigh Winner estava presa. Ela é a funcionária da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) que vazou as informações ao site.
Fonte presa
A repercussão foi imediata.
— É uma falha catastrófica na proteção da fonte, difícil de aceitar — criticou o jornalista Barton Gellman. Trata-se do premiado repórter que revelou ao mundo o caso Snowden, no diário norte-americano The Washington Post.
Mesmo Julian Assange, do site WikiLeaks, não perdoou. Justo ele, perseguido há anos por revelar informações secretas sobre governos ao redor do mundo.
— No geral, eu amo o Intercept, mas, se é um cara de vocês, deem o nome e acabem com ele agora — recomentou.
O próprio Greenwald, que tem seu nome no alto do site, tenta se distanciar:
— Eu não escrevi o texto e eu não edito o Intercept. Eu não controlo outros jornalistas.
Jornalista ou não
O próprio Edward Snowden fez questão de se pronunciar. Snowden, que mora em Moscou e hoje preside a Freedom of the Press Foundation, foi taxativo:
— Processar uma fonte sem considerar o dano ou benefício da atividade jornalística é ameaça fundamental à imprensa livre.
Ambos os casos merecem uma reflexão mais aprofundada sobre a prática do Jornalismo. Em qualquer circunstância, porém, seja qual for a conclusão a que se chegue acerca dos limites deste ofício, a fonte será sempre o bem maior a ser protegido. Ainda que por inexperiência ou na mais rasa ignorância, seja ou não jornalista, desde que se aventure nas lides do ofício, a primeira lição a ser aprendida será sempre o respeito à fonte.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.