Onde está a 'Pátria Educadora'?

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Publicado Sexta, 10 de Julho de 2015 às 10:55, por: CdB
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Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras Leher é o novo reitor da UFRJ
Os presidentes Lula e Dilma Rousseff reconhecem a educação escolar como instrumento básico para integração do povo brasileiro, independentemente de renda, à sociedade moderna. O que foi feito se orientou neste sentido? O Projeto Pátria Educadora será isso, ou uma carta de submissão ao capitalismo internacional? Quem os assessora? No último 3 de julho, Roberto Leher assumiu o cargo de reitor da UFRJ, que exercerá até 2019. Seu discurso de posse conteve uma nota simpática e que promete um não-acomodamento nas magnificências de uma reitoria: mencionou uma gestão compartilhada e o objetivo de obter a cassação do título de doutor honoris causa, concedido ao ditador Emílio Garrastazu Medici. Muito mais a fundo, o novo reitor alongou-se em críticas ao que se aponta como sendo a Pátria Educadora: lembra que o Governo Federal está concedendo verbas maiores para dar acesso de estudantes em instituições privadas, do que aquelas que libera para as universidades federais, observando que os gastos com o FIES permitiriam que se dobrasse o número de vagas na UFRJ. Nas suas palavras, “grande parte dos recursos do MEC para custeio da educação financia fundos de instituições privadas, mais preocupadas com fins lucrativos - não são instituições educativas, são instituições financeiras”.
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Roberto Lehrer não está traindo um voto de confiança de parte de quem o nomeou, a presidenta da República. Suas convicções são colocadas muito claramente quando, por exemplo, em 2004 escreveu: “por apagar as distinções entre instituições privadas e públicas, a reforma Lula está inscrita no escopo das políticas neoliberais em curso na América Latina”. Ele é um educador que não aceita, sob a alegação de que é necessária a “inclusão social”, o que acabou por se tornar o PROER dessas instituições financeiras disfarçadas em educativas. De forma muito clara, os investimentos privados feitos na Educação foram enormes e tendentes a criar uma ociosidade enorme: o número de vagas em oferta superam em muito o número de candidatos. A Kroton & Anhanguera formam hoje a maior empresa educacional do mundo, com mais de 1,2 milhões de estudantes. A Kroton está ligada à figura política de Walfrido Mares Guia, o que foi ministro de Lula, mas também o grande coordenador do chamado “mensalão mineiro”, uma figura de acesso a todos os espaços, públicos e privados. Ela opera, articulada com editoras, softhouses, fabricantes de computadores e tablets, redefinindo a formação de milhões de brasileiros. Roberto Lehrer, em entrevista recente, informa que atualmente 40% das matrículas em cursos universitários ficam no âmbito de cinco fundos de investimentos, que são ao mesmo tempo detentores de 60% da educação à distância no País. E completou ainda, observando que se trata de uma associação de grupos econômicos, “Todos pela Educação”, organizada pelo setor financeiro, pelo agronegócio, mineradoras e meios de comunicação, que estão implantando um projeto de educação que serve às elites dominantes: a metamorfose dos jovens brasileiros em capital humano, um fator de produção. Tanto as críticas são legítimas, que o Governo, pelo seu Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, certamente depois de uma luta mais que renhida, enfrentando o poder de pressão da “máfia do ensino” já comunica mudanças nos critérios e procedimentos do FIES, que se tornou de fato um mecanismo de financiamento dos “fundos financeiros aplicados na educação”. O MEC assinará 313,9 mil contratos de financiamento em 2015, 57% do que se registrou em 2014, com 731 mil contratos, um número absurdo e lastimável. Esse ajustamento decorre da definição de critérios éticos e razoáveis, a saber: • A renda familiar do aluno contemplado não poderá superar a 2,5 salários mínimos, quando antes esse limite praticamente não existia: 20 salários mínimos. • Terão prioridade cursos com notas 5 e 4 na escala de qualidade do MEC nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As áreas de Engenharia, formação docente e Saúde são outro foco. Lula sempre se orgulhou das 35 universidades criadas pelos governos do PT, e com justo motivo. Mas se esqueceu de que 35% dos universitários brasileiros são analfabetos funcionais, uma porcentagem que aumenta e muito quando são consideradas apenas as universidades privadas. Vamos enxergar o mundo real, e não o sonho do metalúrgico, querendo o filho feito doutor? O FIES estava portanto financiando as classes-médias, com a oferta de cursos desqualificados pelo próprio MEC (com avaliações abaixo de 4), em especializações não-prioritárias, como Direito, Administração, Turismo, etc., nas regiões mais ricas do Brasil. Tudo isso, para lucro dos especuladores financeiros (as ações de Kroton oscilam na Bolsa de Valores, segundo o Ministro pareça mais ou menos simpático à “iniciativa privada”). Tudo isso, também, foi noticiado pela imprensa, não foi comentado, e nem mereceu reprovações de uma oposição que não existe e comprova, com a sua omissão nesse caso, a sua incompetência total. Orgulhando-se de um projeto educacional, nem Lula e nem Dilma tiveram notícia sobre o descalabro promovido por escalões secundários do governo, dotados de poderes suficientes para beneficiar a fortíssimos grupos de especulação financeira. Devem ser alertados: viajem menos, façam menos conversas de amizades e inimizades, trabalhem mais... Escolham melhor os seus colaboradores. Roberto Lehrer não se limitou em suas críticas a um passado lastimável, e que está sendo corrigido pelo MEC, sob comando de Renato Janine. Ele olha para o futuro com preocupação imensa. Segundo ele, o documento “Pátria Educadora” é elaboração da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), dirigido por Mangabeira Unger. O que ele, como homem do Hemisfério Norte, mal-falante da língua nacional, pretende? Ele quer assegurar a formação de uma força de trabalho aplicável a trabalhos simples, a serem solicitados por uma economia complementar, subordinada às necessidades da economia empresarial norte-americana. Mangabeira Unger pretende a adesão à ALCA e a educação de brasileiros para servirem à ALCA? Da mesma forma que o sonho de Lula, mantido pela Presidenta Dilma, de ofertar “universidade para todos”, foi transformado no PROER dos negociantes do ensino, agora corre-se o risco de um novo golpe, dessa feita “macroeconômico”. Seria muito importante que o povo brasileiro pudesse ser informado: o que é mesmo a Pátria Educadora? O que está fazendo o Ministro Mangabeira Unger? De onde ressurgiu essa figura digna do cinema expressionista alemão? Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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