Não resta alternativa para quem quer estancar a marcha para o abismo senão tomar as ruas e praticar atos radicais de resistência civil contra a destruição.
Por Aldo Fornazieri – de São Paulo
A crise climática revela um grave fenômeno de dupla face. No primeiro sentido, o aquecimento global reduz a quantidade de oxigênio e aumenta a concentração de gás carbônico na atmosfera. Há uma queda acelerada da quantidade de oxigênio nos mares. Essa redução nas águas é consequência de dois processos. De um lado, a contaminação dos nutrientes, provocada pelo arrasto, pelas chuvas, de elementos como fósforo e nitrogênio e partículas de plástico para os rios e dos rios para os mares. De outro, as mudanças climáticas, que provocam o aumento da temperatura e do gás carbônico na atmosfera, aquecendo os mares.

A consequência dos dois processos é a mesma: o crescimento, em quantidade e extensão, de zonas mortas nos oceanos, áreas inapropriadas para a vida marinha. A morte de espécies, sua decomposição, também acelera esse processo. Quer dizer: a tragédia alimenta novas tragédias. A redução de oxigênio representa a perda de hábitats e de biodiversidade, ameaçando vários ecossistemas. Um número crescente de espécies marinhas tem entrado no rol de ameaçadas de extinção.
O segundo sentido diz respeito à perda do oxigênio político. Os setores progressistas da sociedade, os partidos e movimentos de esquerda, sofrem rápidas reduções: alguns simplesmente desapareceram, morreram. Outros sofrem graves mutações, capitularam, deixaram de ser antissistema e mudaram de hábitat. Habitam agora gabinetes, cargos e aparelhos políticos. Camuflam seus movimentos, atacando o neoliberalismo, epifenômeno do capitalismo, mas deixaram de ser anticapitalistas.
O combate às mudanças climáticas não pode mais contar com esses segmentos. No máximo, eles adotam o discurso ESG e do desenvolvimento sustentável, conceitos e processos capturados pelo capitalismo que destrói o meio ambiente. As esquerdas, com raras exceções, tornaram-se a cereja do bolo da hegemonia capitalista, emprestando a esta um lustre de legitimidade por, supostamente, permitir um jogo de alternativas. As ONGs ligadas às causas ambientais travam lutas necessárias, porém limitadas, pelo seu atrelamento a interesses dos financiadores.
Cenário desolador
Diante desse cenário desolador, marcado por impactos climáticos cada vez mais devastadores e catastróficos, surge a velha questão: O que fazer? É preciso partir da constatação realista de que, mesmo com todas as evidências e advertências acerca das tragédias, os progressistas e as esquerdas fugiram para o capitulacionismo cínico da vida passiva. A indiferença de quem deveria liderar, e que é pago para liderar, aprisionou as potências das lutas e das mobilizações para tentar salvar o planeta e a vida. Não resta alternativa para quem quer estancar a marcha para o abismo senão tomar as ruas e praticar atos radicais de resistência civil contra a destruição ambiental.
Na medida em que o mundo parece caminhar cada vez mais para um beco sem saída, empurrado pelas ações criminosas dos grandes capitalistas, dos governos e a passividade dos grupos políticos e da sociedade em geral, cresce cada vez mais o radicalismo ambiental na Europa e nos Estados Unidos. As mulheres são a maioria, cerca de 60%, dos integrantes de grupos e movimentos que adotam táticas radicais. Cresce também o número de cientistas que apoiam e se engajam nessas atividades. Na Alemanha, vários deles organizaram um movimento em prol da rebelião e da resistência civil contra as mudanças climáticas.
Não se trata de abandonar a pesquisa e a ciência, mas elas precisam do apoio do radicalismo ativista para ser ouvidas.
As táticas do ativismo radical ambiental são variadas: interrupção de eventos públicos, marchas lentas, jogar tinta em obras de arte, furar pneus de carros movidos a óleo diesel, provocação de tumultos, exposição pública de políticos negacionistas, bloqueio de agências bancárias, protestos de impacto em aeroportos, prédios governamentais e outros lugares de grande circulação, interrupção de eventos esportivos e bloqueio de grandes vias, entre outros.
Os objetivos do ativismo ambiental radical são e devem ser politizados. Além de plataformas com os temas centrais de defesa do meio ambiente, entram no rol das mobilizações a pressão sobre os governos para mais ações e recursos destinados ao enfrentamento da crise climática e pelo freio à produção de combustíveis fósseis, medidas de bloqueio da destruição de florestas, rios e ecossistemas, políticas públicas de adaptação, resiliência e regeneração nas cidades e no campo, adoção de práticas sustentáveis nas empresas e na agricultura, proteção aos povos originários e atenção e apoio aos grupos sociais mais vulneráveis. No Brasil, o ativismo ambiental radical precisa pôr-se em marcha com urgência.
Aldo Fornazieri, é Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de ‘Liderança e Poder’.
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