Não há governo interino do PMDB, mas a usurpação do governo pelos donos do poder, utilizando-se de figuras do PSDB
Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro:
Em 20 de maio, sexta-feira última, as TVs brasileiras deram cobertura integral à fala de Henrique Meirelles e Romero Jucá, entrevista concedida a um batalhão de repórteres e fotógrafos, quase todos analfabetos disfuncionais. Nem mesmo o conceito mais elementar, e base para a proposta neoliberal que se pretende praticar, o do déficit primário, não será explicável por boa parte deles, que nem perguntas minimamente inteligentes, não foram capazes de formular, esclarecendo os sofismas, as imprecisões e os objetivos (inconfessáveis) que inspiram a prática de uma política monetarista, historicamente responsável no mundo inteiro por recessões, desemprego, retrocesso, enfim, o Horror Econômico.
Reconheça-se apenas a importância e dura autocrítica: dois Ministros de Estado falaram à Nação, rompendo o silêncio de cemitério abandonado, que governos do PT infelizmente praticaram. O modelo de governo participativo, tão desejado pelo petismo em tempos idos, foi esquecido e arquivado por um Governo que (admitir isso não deve ser privilégio das cabeças neoliberais golpistas) elegeu-se com um discurso, para, uma vez eleito, praticar o que fora proposto pelos adversários. Se águas passadas não movem moinhos, só cabe uma ação: promover o encontro e debate entre dois economistas que foram companheiros e ministérios do PT: Guido Mantega e Henrique Meireles - que o antigo Ministro da Fazenda possa fazer ouvir a sua voz, que foi sempre amordaçada pelos burocratas dogmáticos do partido.
Não se deve esquecer que Mantega calou a boca daquele que seria o Ministro de Aécio Neves, em entrevista e debate pela TV, isso ainda durante a campanha, quando se opunham os programas do PT e do PSDB. Seus argumentos eram/são os corretos e valem hoje, para desmascarar a proposta neoliberal de Meirelles, endossada por Jucá. Ironicamente, os dois foram ministros de Lula e de Dilma. Desaprenderam depois. Formando uma nova “dupla caipira”, se tivéssemos mesmo um governo do PMDB, poderiam ser substituídos, com imensa vantagem, por Belluzzo, um verdadeiro economista,que manteve relações históricas com o que foi o partido de Ulisses Guimarães.
O próprio instituto de pesquisas nascido das mãos de FHC, o CEBRAP, promoveu um debate em que Belluzzo refutou todos os dogmas neoliberais defendidos, inspirado pelo “príncipe dos sociólogos”.
O que já se pretendia m 2015 era a “reformulação do pacto social”,palavras frias ,a marca do elitismo retrógrado das elites nacionais. Em palavras simples e compreensíveis para todos: o que se pretende e que agora poderá ser feito sem pudores é jogar por terra o modelo de política social praticado por governos do PT (o “pacto social” proposto por Lula e seguido por Dilma Rousseff).
Sabidamente, o equilíbrio, eliminando o déficit primário, a redução de despesas públicas, uma redução que é sempre imaginada apenas e tão somente em termos de corte radical dos gastos sociais. Os programas “Bolsa Família” e “Minha casa, minha vida”, por mais que mintam, com a afirmação de que serão mantidos, sofrerão um esvaziamento não declarado nem informado. O SUS e todos os demais programas da área de Saúde terão orçamentos levados ao nível da insignificância, atendendo-se aos reclamos da Máfia de Branco, que jamais aceitou o desafio de uma Medicina voltada para o povo brasileiro, opondo-se ao Programa Mais Médicos e promovendo uma guerra suja contra os médicos trazidos de Cuba.
Os ministros Meirelles e Jucá não se propõem a qualquer empenho numa reforma tributária, que elimine ou reduza os privilégios que contemplam os mais ricos, pessoas físicas e jurídicas. Os jornalistas que acompanharam a fata da dupla ministerial, representando a imprensa, calados estavam e calados permaneceram: apenas um repórter perguntou sobre uma eventual reforma tributária. Para Jucá, isso não é problema de ministro, é assunto a ser resolvido no Congresso; quem sabe, sob comando de Cunha.
A dupla Meirelles & Jucá usou do tempo que lhes foi concedido pela imprensa para justificar a necessidade de uma política de “arrocho”, com a tão desejada eliminação de gastos sociais, e mais um aumento “temporário” da carga tributária. Completa-se o quadro com a intenção da “reforma da previdência social”, injustificável, quantificada com números mentirosos e planejada de forma obtusa e primária, compatível só mesmo com a alienação generalizada em Brasília – infelizmente,não esqueçamos, as ideias que agora do governo interino já foram defendidas pelos ministros da presidenta, não prosperando em função da rejeição radical por parte dos movimentos sociais.
Além desse objetivo, a mesma dupla tratou de utilizar seu tempo para sugerir a irresponsabilidade e incompetência, que seriam traços exclusivos dos governos petistas. Não se preocuparam na explicação do descontingenciamento de R$ 21 bilhões, do total de R$ 44 bilhões que já tinham sido retidos pela Presidenta,e nem chegaram a comentar o aumento agora previsto de mais R$ 20 bilhões nas despesas. Voltemos a lembrar Guido Mantega.
À medida em que os pronunciamentos vão sendo feitos, fica claro o quadro que um otimismo feliz e irrealista impede que enxerguemos. Não há governo interino do PMDB, mas a usurpação do governo pelos donos do poder, utilizando-se de figuras do PSDB. Jucá será o manobrista político de Henrique Meireles, o elo de ligação com o Congresso, controlado pelo PMDB(Eduardo Cunha, sombra mandante de Temer). Jose Serra,o orientador do processo que pretende rifar o Estado Nacional, muito mais descarado do que aquele procedido nos anos de FHC. Os homens do PSDB querem o poder político como meio para atingir os objetivos de liquidação da Petrobrás, do Banco do Brasil, do BNDES, da Caixa Econômica Federal: eles são os instrumentos da Máfia do Dinheiro. Eduardo Cunha estará satisfeito com o seu poder de régulo,suficiente para usufruir de um enriquecimento digno de um Salomão. O PMDB, reforçando-se no “centrão”, estará consolidando o mandonismo coronelístico retrógrado.
Como chegamos a isso? Há sem sombra de dúvidas a coordenada e competente dos que visam lucrar com a liquidação do Estado brasileiro. Não só ele, mas a atuação do Instituto Millenium foi e está sendo fundamental, reunindo a disciplinando a ação de banqueiros, grandes empresários e donos da imprensa; e não se despreze a importância e as armas da Opus Dei. Hoje, é muito claro o controle e comando exercidos, não só no Parlamento, mas no Judiciário. Não basta a ação intempestiva e desequilibrada de um juiz de primeira instância (Sérgio Moro), mas existe a opção clara de boa parte dos ministros do STF pelo golpe (quase todos indicados pelos governos do PT). A Justiça Eleitoral está nas mãos dramáticas de Gilmar Mendes; e o TCU é dominado por velhos coronéis do PMDB.
Houve e há, inequívocos, erros, omissões e incompetências de um Governo que se fez e que foi enfraquecido. Há como reagir. Em que pese a omissão burocrática do PT, o povo vai ocupando as ruas, os jovens, os artistas, os intelectuais, a CUT, o MST, profissionais liberais. A figura antes distante e fria de Dilma Rousseff está sendo humanizada pelos que a traíram e pelos golpistas em geral. O que é mais do que nunca necessário: que Dilma Rousseff seja assessorada por competências, quando já não bastam os homens e mulheres “de confiança”.
Maria Fernanda Arrudaé escritora, midiativista e colunista doCorreio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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