Preparando a fuga de capitais

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Publicado quinta-feira, 10 de março de 2005 as 23:58, por: CdB

Gostaria de sensibilizar o leitor para a relevância de certas medidas que estão sendo tomadas na área cambial. Tentei fazê-lo em artigo publicado quinta-feira (10) na Folha de S.Paulo (“Mudanças cambiais”, p. B-2), mas não sei se fui bem-sucedido. O tema é árido. O amplo conjunto de modificações das normas cambiais, cuja regulamentação foi divulgada quarta (9), inclui medidas de simplificação e racionalização, de ordem meramente operacional, misturadas com outras de alcance muito maior.

A mudança crucial diz respeito à remessa de capitais ao exterior. Com a entrada em vigor das novas normas, estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central, as pessoas físicas e jurídicas poderão comprar moeda estrangeira e realizar transferências para fora do país, de qualquer natureza, sem limitação de valor.

De acordo com a interpretação até agora dominante no Banco Central, essa medida é ilegal, pois viola a Lei 4.131, regulamentada pelo Decreto 55.762. Um dos princípios básicos estabelecidos nessa legislação é que só pode sair do país o capital cujo ingresso tenha sido devidamente comprovado, mediante apresentação do certificado de registro no Banco Central.

Esse princípio vinha sendo contornado, desde os anos 90, por meio de um artifício de duvidosa legalidade: a utilização de contas de instituições financeiras não-residentes, as chamadas CC-5, para remessa de recursos ao exterior em nome de terceiros. Um brasileiro depositava reais em conta mantida no Brasil por instituição financeira do exterior; essa instituição transferia então os recursos para fora do país, depositando-os numa conta de propriedade do brasileiro.

O Banco Central alega que nada está mudando “na prática”. É o procedimento de sempre. Primeiro, o governo encontra mecanismos para driblar a legislação, “interpretando-a” com bem entende. Numa segunda etapa, escancara a mudança, sem submetê-la ao Congresso, sob a alegação de que está apenas dando mais “transparência” ao que já se faz na prática.

O que está em curso, em poucas palavras, é a legalização da fuga de capitais.
As implicações econômicas dessa decisão são da maior importância. Ela impede, por exemplo, que o Banco Central estabeleça uma política de prazos mínimos de carência e amortização para dívidas externas. Ora, esse tipo de precaução é importante para a segurança econômica do país. Como a remessa de capitais passará a ser livre, a qualquer momento e sem limitações, o governo ficará impossibilitado de administrar o perfil da dívida externa, programando a distribuição dos vencimentos ao longo do tempo e assegurando sempre que possível o alongamento dos prazos de pagamento.

Não se deve perder de vista, além disso, que o estoque de ativos financeiros em reais, de liquidez imediata ou quase imediata, é muito superior às reservas internacionais do país. Em outras palavras, a fuga potencial de capitais é grande em comparação com as disponibilidades de moeda estrangeira no Banco Central. Basta que uma parte dos ativos financeiros domésticos seja convertida em moeda estrangeira para que se configure uma enorme pressão sobre o Banco Central, obrigando-o a aceitar depreciação acentuada da moeda nacional ou a responder com vendas maciças de reservas e aumentos adicionais da taxa de juro.

O problema não se coloca de imediato, pois a nossa situação atual é de oferta abundante de moeda estrangeira e valorização excessiva do real. Mas, como sabemos, o quadro econômico-financeiro pode mudar rapidamente. Não convém tomar medidas que aumentem a vulnerabilidade da economia.

Em vez de sacramentar a liberalização prematura dos anos 90, o governo deveria, ao contrário, fechar a “janela” das CC-5, proibindo as transferências ao exterior em nome de terceiros por meio de contas de não-residentes (medida que, aliás, consta das novas normas). Seria uma forma de aproveitar a conjuntura relativamente tranqüila para eliminar brechas abertas no período Col