Os “radicais” e o futuro do PT

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Publicado sexta-feira, 12 de dezembro de 2003 as 07:19, por: CdB

A reunião do Diretório Nacional do PT, nos dias 13 e 14 de dezembro, decidirá muito mais do que a expulsão ou não dos parlamentares que se rebelaram contra a proposta da Reforma da Previdência e contra outras políticas adotadas no primeiro ano do governo Lula. Para além de questões de mérito envolvendo o conteúdo dessas políticas, o que estará em jogo nessa reunião é a própria concepção de partido, como reconhece o próprio presidente do PT, José Genoino, em artigo intitulado “PT: vontade coletiva versus livre-arbítrio”. “Um partido político deve ser a expressão de uma vontade coletiva, formada a partir de regras democráticas internas ou deve ser o reino do livre-arbítrio das vontades individuais?” – pergunta Genoino, introduzindo o debate.

Além de introduzir essa distinção entre vontade coletiva e livre-arbítrio, o presidente do PT apresenta uma concepção de democracia (“é o império da lei”) como premissa justificadora do processo de expulsão dos parlamentares rebeldes. “A democracia”, escreve Genoino, ” é negadora do comportamento arbitrário dos indivíduos, que pretendem se impor ou impor sua vontade exclusiva pela força, pela fraude ou por qualquer outro expediente que nega o processo do debate, da discussão de opiniões para a formação de consensos e fundamentação de processos deliberativos”. A partir dessas premissas, o texto sustenta que os parlamentares em vias de expulsão comportaram-se de modo arbitrário, autoritário e antidemocrático, merecendo, portanto, a pena máxima. Como há muita gente dentro e fora do PT que pensa exatamente o contrário, talvez não seja ocioso olhar com mais atenção o argumento de Genoino e o modo como ele se insere dentro da história do partido.

Como nasce o PT

O PT completou, em 2003, 23 anos de vida. Em 1980, setores que resistiram à ditadura militar – sindicalistas, intelectuais, estudantes, ex-guerrilheiros, novos e velhos militantes – começaram a construir uma nova página na história brasileira. O partido nasceu como uma tentativa de construir uma alternativa democrática e progressista para o país, onde a esquerda estava dilacerada por quase duas décadas de autoritarismo. Nasceu fazendo a crítica à experiência soviética e resgatando velhos ideais libertários da esquerda. Ao longo desse período, o PT cresceu, reuniu e formou milhares de lutadores sociais em todo o país. Constituiu-se como a grande novidade política na América Latina e disputou, sempre nas regras da institucionalidade, o sentido e a potencialidade que a democracia traz consigo. Combatendo a transição conservadora que fez a passagem do período ditatorial ao democrático, o PT elegeu vereadores, deputados, prefeitos, governadores e, finalmente, após várias tentativas, chegou à Presidência da República. Neste período, o partido passou por profundas mudanças, que devem ser consideradas com um mínimo de atenção para entender com mais clareza em que medida é a própria concepção de partido que estará em jogo na reunião do Diretório Nacional. Para isso, é indispensável lembrar como foi construída a identidade petista nestes 23 anos de história. Nos primeiros anos de luta, os militantes petistas eram vistos como um grupo de sonhadores, rebeldes e meio malucos, que traziam para a luta política do país a crítica ao capitalismo, à exploração – dos trabalhadores, do meio-ambiente, das mulheres – e a todo tipo de opressão. Tudo isso, por si só já era uma grande novidade, em um país onde o debate democrático apenas engatinhava.
Uma história de erros e acertos

O PT protagonizou a luta pela anistia, pelas eleições diretas e, assim, introduziu no imaginário da esquerda mundial novos problemas, novas demandas e novos projetos. Na sua origem, os militantes petistas queriam substituir a chamada ditadura dos mercados por uma forma de sociedade mais justa e livre. Aos poucos, foram espalhando-se pelo país, denunciando a injustiça, a opressão e a política transformada em balcão de negócios pela lógica