Os balanços e os interesses

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Publicado terça-feira, 9 de novembro de 2004 as 13:06, por: CdB

Mostra-me o teu balanço e direi quem tu és. A adaptação da velha máxima pode funcionar como uma regra prudencial para a leitura da série de balanços que já começa a ser feita sobre o resultado das eleições municipais. As primeiras avaliações sobre a derrota do PT em Porto Alegre, em particular, representam um terreno fértil para perceber a agenda política e os interesses que estarão em disputa no próximo período.

Foi em Porto Alegre que a esquerda brasileira sofreu sua mais dolorida derrota. Uma derrota que não só interrompeu uma exitosa experiência de 16 anos, motivo de orgulho e inspiração para militantes de todo mundo, mas que, principalmente, abre a possibilidade para seus adversários, agora no poder, tentarem desconstituir os significados mais profundos do que foi feito neste período. Significados estes que se materializaram no Fórum Social Mundial e no vigoroso movimento internacional de oposição à globalização do capital financeiro e de construção de alternativas a ela.

Mais do que explicar as razões da derrota, a maioria desses primeiros balanços evidencia, através de suas escolhas e ênfases, os interesses de seus autores nas disputas políticas que serão travadas nos próximos anos. Obviamente, há múltiplas causas para explicar a derrota em Porto Alegre. As escolhas e os rumos do governo Lula, a progressiva flacidez programática e política do PT, o desgaste quase inevitável de uma administração de 16 anos, os limites e contradições do governo Olívio Dutra, a renúncia de Tarso Genro em 2002 para disputar o governo do Estado, o crescimento de um sentimento anti-petista no Estado, a intervenção desastrada da equipe de Duda Mendonça no segundo turno da disputa eleitoral, entre outras. A ênfase colocada em um ou mais destes fatores revela, além de uma agenda política e de um conjunto de interesses, a compreensão histórica e os compromissos de seus autores com a luta da esquerda que ainda não se curvou ao altar de um pragmatismo exacerbado que, há algum tempo já, deixou de ser um mero movimento tático para se transformar em um fim em si mesmo.

Qual é mesmo a luta da esquerda?

Neste contexto, não é ocioso lembrar qual é mesmo a agenda política que se materializou em Porto Alegre e que inspirou a construção do Fórum Social Mundial. A partir de 1988, a capital gaúcha escolheu caminhar na contramão das políticas que vinham sendo implementadas, em uma maioria esmagadora, no país e no mundo. Em vez de aderir ao culto das privatizações, do Estado mínimo e da globalização, apontadas como um necessário passaporte para o ingresso na modernidade, Porto Alegre construiu um modelo de democracia participativa e de gestão pública que mostrou, na prática, que outro caminho era possível e que a esquerda tinha capacidade política e administrativa para governar. Durante quatro anos, essa experiência foi acompanhada por uma outra, de caráter mais abrangente e mais desafiador, representada pelo governo Olívio Dutra.

Neste período, o Rio Grande do Sul tornou-se a capital do Fórum Social Mundial, do Orçamento Participativo, do Software Livre, da luta contra a introdução descontrolada dos transgênicos, da reforma agrária, da defesa dos direitos humanos e da justiça social. Erros foram cometidos nesta trajetória. Por vezes, compraram-se mais brigas do se que estava preparado para suportar e de maneiras, às vezes, um tanto atravessadas. Mas, do ponto de vista da agenda histórica do PT e de outros setores da esquerda, os acertos alcançados foram muito maiores (alguns deles elencados acima) e deram origem a uma forte reação dos setores mais conservadores do Estado que identificaram, com alarme, a possibilidade de se repetir em nível estadual o que vinha acontecendo em Porto Alegre. A ofensiva político-midiática desencadeada contra o governo Olívio Dutra ainda está por merecer um relato mais detalhado. Ela foi diária, por terra, mar e ar, sem tréguas, capitaneada pelos veículos do Grupo RBS. A histó