OcupaMinC e as Olimpíadas

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Publicado sábado, 23 de julho de 2016 as 10:02, por: CdB

Nas Olímpiadas os nossos atletas são os palhaços, os atores, os escritores e os músicos, a galera da Nação Hip Hop, o pessoal da dança, os produtores culturais e os ocupantes do Capanema

Por Flávio Corrêa de Mello – do Rio de Janeiro:

Quase uma centena de pessoas sentadas no salão. Profusão de vozes, de falas, de ruídos. Por que estavámos ali? Por que objetivo? Havia uma norma comum: #foratemer / #voltaMinC. Sentimos o golpe. Em nossas angústia, a capacidade militante nos guiou para lá. Coletivos se aglutinaram na ocupação: CultMídia, CUCA da UNE, Teatro pela Democracia, Reage Artista, Fora do Eixo. Nos dias iniciais a tensão estava no ar. Advogados traziam instruções: “Se cair a ocupação façam assim…” “A qualquer momento pode chegar um pedido de reintegração de posse.” Entre as nebulosidades de ações, na primeira semana uma agenda de atividades e shows complementaram a defesa do MinC. Neste período, enquanto Temer tentava fechar nomes de mulheres para sua composição ministerial para uma Secretaria de Cultura, todos foram assistir Caetano Veloso fazer o show no MinC.

Para além dessas atividades há questões que podem ser suscitadas sobre o papel da Ocupação, seu desenvolvimento e as olimpíadas
Para além dessas atividades há questões que podem ser suscitadas sobre o papel da Ocupação, seu desenvolvimento e as olimpíadas

O MinC voltou.

As ocupações não cederam. No país mais de vinte locais federais de Cultura foram ocupados. No Rio de Janeiro, os ativistas mantém o espaço recolhendo recursos, recebendo apoio do movimento sindical para a alimentação. O Capanema despontou com uma agenda eclética que redimensionou o uso do espaço público: aulas, debates, rodas de samba, shows, mostras cinematográficas, tudo gratuito e aberto a população. Em volta do Pilotis, ambulantes comercializam seus produtos. Cultura orgânica, viva e produtiva.

Para além dessas atividades há questões que podem ser suscitadas sobre o papel da Ocupação, seu desenvolvimento e as olimpíadas.

O primeiro tangenciamento diz respeito ao Calero, ministro do golpe. Sua estratégia, em um primeiro momento, consistiu em buscar o diálogo e relativizar seu papel, neutralizando-se em um perfil de cultura independente da situação política do país. Geralmente, a perspectiva de imparcialidade, da neutralidade, favorece quem detém o poder, neste caso, o governo golpista. Sua aposta passou por reconhecer a importância social da ocupação – como atestou em entrevista à Folha de São Paulo, em 27/05/2016. Ele aguardava, certamente, o desdobramento do golpe em curso, apostando no enfraquecimento dos ativistas, para em seguida cooptar alguns setores da cultura, com a finalidade de dar continuidade, inclusive, a um projeto de uso para o Capanema.

Entretanto, o movimento recusou o diálogo. O próprio diálogo em si já é uma legitimação do governo Temer. Se Calero apostou na inanição, uma mancha histórica e indelével se intalou: não há como voltar atrás. A ocupação fez sua história. O modus operandis do movimento consiste em criar uma rede de ativistas da cultura em torno de uma agenda permanente de atividades que visam trazer o público, estabelecer o debate, promovendo-o na sociedade, além de articular a narrativa anti-temer e acumular forças no decurso do inverno tenebroso em todas as pontas do Movimento Social da Cultura, unindo-as.

A dificuldade para a resistência é a capacidade de intervir constantemente, pois ainda é difícil crer que os exercícios de horizontalidade dos coletivos que tentam fazer o contraponto para além dos projetos da esquerda clássica, consigam mensurar forças diante de uma direita que sequestrou a democracia aliando-se à grande mídia e ao judiciário.

Nesta última semana, Calero mudou de tática e partiu para cima pedindo reintegração de posse do prédio. As Olimpíadas se aproximam e o Capanema é um ponto estratégico da resistência ao golpe. A tacada foi mal-sucedida. O Juiz recusou o pedido. O Capanema se tornou um dos epicentros mais representativos da resistência ao golpe e tem papel fundamental de resistência durante as Olimpíadas. Calero corre contra o relógio.

Os jogos olímpicos possuem sempre uma dupla face, enquanto há um efeito discursivo de congrassamento de paz, de união dos povos e um incremento arquitetônico e econômico para a cidade sede,   há também os problemas decorrentes dos jogos, dentre eles destacam-se o endividamento público ocasionado pelo grau de investimento, a gentrificação e o problema de mobilidade.

A estratégia a ser considerada como intervenção artística e cultural é a de gerar um fato político em defesa da democracia, fortalecendo ainda mais uma narrativa de denúncia do golpe. É atuar no simbólico. Em 68, nas olimpíadas da Cidade do México, dois medalhistas norte-americanos, negros, colocaram luvas e levantaram seus punhos da mesma forma que os Panteras Negras. Ali, além de atuar nos simbólico, os atletas evocaram a luta contra o racismo, contra os assassinatos de Martin Luther King e Malcom X.

Nas Olímpiadas os nossos atletas são os palhaços, os atores, os escritores e os músicos, a galera da Nação Hip Hop, o pessoal da dança, os produtores culturais e os ocupantes do Capanema, são aqueles que driblarem a segurança e colocarem as faixas de Fora Temer e Volta Democracia espalhando-as pela cidade. Nossa arquibancada é o Capanema, é para lá que devemos convergir os esforços e as ações contra a agenda conservadora imposta pelo golpe e que afeta os trabalhadores e o povo, para que seja a viva voz da Cultura que se transforma em ação e resiste.

 

Flávio Corrêa de Mello é poeta, professor e assessor de Cultura do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro.