O poder da cerveja

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Publicado terça-feira, 26 de abril de 2016 as 15:42, por: CdB

Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:

Uma cervejinha gelada até pode curar uma paixão recolhida
Uma cervejinha gelada até pode curar uma paixão recolhida

Estava no elevador do meu plano de saúde, cheio de gente, como sempre, quando entrou uma senhora com uma acompanhante e disse que tinha cem anos. Todos no elevador ficaram  pasmos e uma  outra senhora  mais moça  perguntou: “ É bom fazer cem anos?” Ao que a centenária nada surda e inteiraça respondeu: “ A única coisa ruim é não poder tomar cerveja…”

O  elevador inteiro riu da resposta e um senhor perguntou: “ Mas por que não pode?”  Ao que a centenária respondeu:

– É a única coisa que eu gostava de fazer e o médico não deixa mais! “

Fiquei impressionada, fui pra casa pensando em como seria fazer cem anos , quando, por coincidência,  uma ex-colega de grupo de análise, que fizemos juntas há mais de 20 anos, me ligou e ficamos pensando e comentando,  fatos que aconteceram naquela época, como por exemplo, um namorado meu, judeu, que morava em Israel e que eu não via desde que morávamos os dois em Roma, não juntos, mas completamente apaixonados, e tentando resolver quem iria pra Israel ou pro Brasil, onde cada um de nós morava.

Ele até veio comigo de Roma, uma vez, mas ficou pouco tempo aqui, quando fomos passar uns dias em Búzios, e ele adorou o Rio, mas não queria largar Israel. E pra mim era difícil,  com uma filha pequena, deixar  tudo e me mandar pra um país onde eu não conhecia nada nem ninguém.

Então ficamos nos falando por telefone, mandando e-mails, até que uns aninhos depois ele me ligou dizendo que estava em Ipanema e me deu o nome do hotel, pra onde parti, boquiaberta, agradecendo  aos céus por esse presente.

Só que quando cheguei ao hotel onde ele estava, o porteiro me perguntou: “Ah, a senhora está procurando um casal, né?”

Fiquei espantada e respondi:

“Casal? Não. É só um amigo e mais ninguém.”

Nesse ínterim,meu “ex-amigo”  e ex-paixão desenfreada me ligou do quarto pra me avisar que tinha vindo com uma moça.

Fiquei pasma, e sem saber o que fazer da vida, pois tinha até dado o fora num namorado  da época pra ficar com o ex, quando resolvi telefonar pro meu analista de grupo, o Dr. Castellar e perguntar a ele o que deveria fazer.
Castellar respondeu:

-Combina com o casal num bar aqui de Ipanema, essa noite, enquanto eu vou ligar pro seu grupo e mandar todo mundo ir também.

Então cheguei no bar com o casal de Israel, apresentei-o ao grupo, que já  conhecia o cara, de tanto ouvir eu falar dele, enquanto ele apresentava a moça que estava com ele que era super simpática, a minha ex-paixão  foi-se  transformando  em horror, um sentimento esquisito  de estar no filme errado.

Então, depois de tomar muitas cervejas no bar, comecei a achar tudo aquilo muito louco  e quando  saí pra pegar o carro e ir pra casa, ele (a ex-paixão), pediu pra ir comigo pra pegar sua máquina de filmar que tinha ficado lá. Fomos até  a minha casa e a moça de Israel elogiou-a dizendo que nunca tinha visto uma coisa tão bonita e diferente. Eu agradeci.

Sentamos na sala e no meio da conversa,  a moça ( que até hoje não sei o nome), me disse que nosso amigo-comum tinha dito a ela que tinha ido a Búzios comigo e que era dos lugares mais lindos que ele já tinha ido. Então ela segurou no meu braço, me chamou pelo nome e perguntou:

-Você nos emprestaria o seu carro pra nós dois passarmos um fim de semana lá?

Achei a moça uma doçura, e respondi que é claro que eles podiam ir, que estava tudo certo. Fiquei impressionada com o enjôo que tomei  da minha ex-paixão, e do contentamento que me deu  de ajudar a moça,  e no dia seguinte liguei pro Castellar pra contar a ele como me sentia bem.

Então, quando essa senhora de cem anos entrou no elevador da clínica onde eu estava hoje , lembrei  dessa história de milênios atrás, e pensei  como o seu médico estava enganado em proibir  cerveja, pois foi ela junto com a análise que conseguiu mudar toda a minha vida num super inesperado  fim de noite.

Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.

Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins.