O hambúrguer é bom, mas o atendimento é infernal

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Publicado quarta-feira, 25 de março de 2015 as 00:51, por: CdB
Haja paciência para se comer um hamburguer
Haja paciência com o péssimo atendimento dispensado aos convivas na sucursal da Geena

No verão, encarar um hambúrguer de 200 gramas de pura costela de porco ou, na opção meio a meio – com uma mistura explosiva de bacon – não é para amadores. Mas numa noite de outono, com a temperatura mais amena como nesta terça-feira, a aventura parecia válida. A hamburgueria, de longe, é até simpática. Um tanto dark para os moldes típicos da junk food norte-americana, mas vamos adiante. Havia uma fila modesta no caixa, mas a demora para ser atendido já mostrava que a descida ao mundo do mau humor e da indiferença seria dantesca. Ainda assim, sigamos adiante e optemos pela versão mais sisuda da sucursal do Hades, com o que chamam de fifty-fifty (meio costela suína, meio bacon), acompanhado de umas batatinhas simpáticas, em forma de telhas portuguesas.

Gritos lancinantes, assustadores, vindos da grelha onde tostam os bocados que o meu, ainda bem, pedi para ser bem passado como convém às carnes suínas, chamam aos hereges famintos pelo nome. Três deles: Joana, Ricardo e Bruno parece que se arrependeram de seus pecados, tanto pela longa espera quanto pela cara amarrada do atendente que evitava olhar para os fregueses, com medo – sei lá – de que alguma daquelas almas o atormentasse com súplicas por alguns guardanapos, talvez, ou um molho, quem sabe, e foi um deus nos acuda. Os infiéis tiveram seus nomes berrados, às alturas, para que Botafogo inteiro soubesse que fugiram à responsabilidade gastronômica. Talvez pela fome, quem sabe, ou por não suportar mais a aflição de ser chamada pelos serafins das profundezas, Joana apareceu e resgatou o pedido. Seria um desperdício de mais de R$ 30, se contabilizado o refrigerante e as fritas. No inferno, a inflação também campeia.

De prontidão por mais de meia hora de espera, foi possível ouvir o arauto da hamburgueria perguntar de quem era aquele pedido. Ao ouvir um dos ardilosos balbuciar que era meu, rapidamente, pego a bandeja com o lanche e impeço que o aprendiz de canhoteiro volte a se esguelar. Mas aí ficou claro que, nas plagas infernais, é preciso ser equilibrista. Não bastasse levantar da mesa que fica na calçada, sobre a qual repousavam celulares e o porta-charutos com dois puros que, somados, valiam meia-dúzia de lanches iguais aquele, a anhanguera que servia o sanduíche avisou: “o refrigerante fica na geladeira… se quiser, pega lá”. O “lá” a que se referia ficava quase no último dos 34 cantos em que Alighieri descreve os horrores do Nono Círculo, no qual qualquer trombadinha passa e leva, além da agenda com nomes e telefones, as preciosas folhas de tabaco enroladas nas coxas úmidas das cubanas marxistas, sob o olhar pasmo do fantasma trouxa que se arriscou àquela empreitada.

De volta à mesa que, por sorte, nenhum assaltante visitou, as garrafas de molho estavam vazias. Para conseguir outras, cheias, foi preciso levantar de novo e perguntar para o primeiro sinistro atrás do balcão onde estava o catchup. Foi difícil atrair a atenção dele que, com o indicativo, apontou para as dúzias de frascos que enfeitavam o altar à gordice erguido na parede, em vez de servirem aos fregueses. Para conseguir uns guardanapos, então, exigia-se uma novena. Concluída a súplica por uns pedaços de papel, uma das traquinas, do outro lado do Aqueronte, pega um punhado e, sem cerimônia – ou nenhuma pista de por onde havia passado a mão, nas últimas horas – entrega quase o maço inteiro. O desperdício e a falta de higiene também são características marcantes do averno.

Enfim, parece que agora posso lanchar em paz. Respiro fundo: faltou o sal. Melhor deixar isso de lado. Faz mal à saúde.

Por sorte, o sanduíche estava saboroso. Mas já avisei ao Caronte que, mesmo na mais espetacular fuga da dieta, nesta encarnação, jamais haverá uma nova travessia à sucursal da Geena.