Movimento negro diz que rolezinho é momento histórico

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Publicado terça-feira, 21 de janeiro de 2014 as 11:55, por: CdB
Manifestantes se reúnem na frente do JK Iguatemi para protestar contra racismo
Manifestantes se reúnem na frente do JK Iguatemi para protestar contra racismo

Joselicio Júnior, conhecido como Juninho, do Circulo Palmarino, um dos organizadores da manifestação que obrigou o JK Iguatemi a baixar as portas no último sábado, divulgou uma carta em que fala sobre a politização do “rolezinho”.

No documento, Juninho afirma que o JK Iguatemi reforçou o racismo durante a manifestação. “A reação do empreendimento, fechando as portas minutos antes da nossa chegada, legitimou e reforçou o nosso discurso de que o Brasil vive, sim, um apartheid.”

Confira, na íntegra, a carta:

” Nós, militantes do movimento negro, cotidianamente falamos da existência do racismo e do quanto ele estrutura todas as relações na sociedade brasileira –  sejam elas econômicas, sociais ou culturais – e muitas vezes somos acusados de extremistas, de praticar o racismo ao contrário, quando não nos dizem que tudo isso não passa de uma grande bobagem.

Nesse sentido, o debate que está colocado na sociedade a partir do fenômeno dos rolezinhos é bastante pedagógico, pois escancara o que é a segregação na sociedade brasileira e como ela é determinante para definir os espaços que negros, pobres e periféricos podem frequentar ou de que forma podem frequentar.

Nas primeiras declarações dos jovens organizadores dos rolezinhos, o discurso presente era o de que eles queriam apenas se divertir, encontrar os amigos, conhecer pessoas, namorar, mas a reação violenta de repressão da segurança privada e da polícia – simplesmente por considerar a presença desses jovens indesejada – provocou uma reflexão: No último final de semana, declarações dos adolescentes que encabeçaram os encontros reivindicavam o direito de ir e vir e, então, o que antes era apenas um encontro, agora é manifestação; Denúncia sobre a falta de espaços de lazer na periferia.

Sem a pretensão de instrumentalizar os rolezinhos – mas com o objetivo de provocar um amplo debate na sociedade –  nós, do movimento negro, movimentos sociais e ativistas,  chamamos o “Rolê Contra o Racismo”, que reuniu cerca de 300 pessoas no último sábado, dia 18 de janeiro, nas imediações do Shopping JK Iguatemi, localizado no Itaim Bibi -SP. A reação do empreendimento, fechando as portas minutos antes da nossa chegada, legitimou e reforçou o nosso discurso de que o Brasil vive, sim, um apartheid.

Se alguém ainda tem dúvida sobre o pensamento dos ricos do nosso país, basta ver as declarações de representantes dos Shoppings, a exemplo de Nabil Sahyoun, presidente da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings), que defende que “os jovens organizadores e participantes dos rolezinhos devem procurar o sambódromo”, uma vez que, na opinião dele, “os shoppings não foram feitos para essa mobilização”.

Ao mesmo tempo, o mesmo presidente afirma que os  ”shoppings foram construídos na periferia para incluir população, e que a preocupação com rolezinhos é pela segurança dos demais frequentadores”. Ou seja, é criado o estimulo ao consumo, mas como não é possível garantir que todos tenham acesso, são criados mecanismos para dispersar,  repelir e segregar.

Além disso, o poder econômico conta com o apoio do Estado para garantir o direito de quem pode ou não consumir, seja através dos aparatos repressores, como a Policia, seja por meio de normativas jurídicas, como as liminares concedidas pelo Judiciário que impedem os rolezinhos de forma extremamente arbitrária.

Trata-se de um cenário que escancara a luta de classes em nosso país e demonstra os limites da tentativa de conciliação e acomodação entre ricos e pobres. Nesse sentido, estamos cumprindo o nosso papel histórico de provocar a reflexão e aguçar as contradições, mantendo acessa a chama daqueles que resistiram contra a escravidão em busca de liberdade. Não temos dúvidas de que mudanças só virão com a organização e mobilização dos de baixo.  Parafraseando o poeta José Carlos Limeira, “por menos que conte a História/ Não te esqueço meu povo/ Se Palmares não vive mais / Faremos Palmares de novo”.