Ministra quer queimar livro de Monteiro Lobato

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Publicado domingo, 15 de fevereiro de 2015 as 10:45, por: CdB
Colunista alerta quanto ao desejo de se banir e proibir o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato
Colunista alerta quanto ao desejo de se banir e proibir o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato

 

distopia Fahreinheit 451, que Ray Bradbury escreveu em 1953 e François Truffaut levou às telas em 1966, poderá se tornar realidade no Brasil de hoje: uma alta otoridade pretende banir um livro importante. Daí para começarmos a queimá-los será um passo.
Uma tal Nilma Gomes, que acaba de assumir a estapafúrdia pasta da Políticas de Promoção da Igualdade Racial (algo assim ainda faz sentido no Brasil, em pleno século 21?!), quer obrigar Cid Gomes a se comportar como o pior dos seus antecessores: o coronel Jarbas Passarinho, que, espantosamente, foi ministro da Educação (!!!) durante a ditadura militar.

Como uma Torquemada extemporânea, a tal Nilma exige que o livro Caçadas de Pedrinho, uma das pérolas da nossa literatura infanto-juvenil, seja colocado no index do Programa Nacional Biblioteca na Escola. Ou seja, reivindica, explicitamente, seu banimento. A última vez que eu ouvira esta palavra odiosa foi quando o regime militar considerou banidos os presos políticos trocados por diplomatas.

Na verdade, trata-se de uma espécie de acerto de contas: a tal Nilma foi a integrante do Conselho Nacional de Educação que, em 2010, produziu o famigerado parecer a partir do qual se desencadeou a virulenta campanha de desqualificação de Monteiro Lobato. Então ela pedia, apenas, a inclusão de notas explicativas no livro –o que, claro, emascularia grosseiramente a obra. Agora radicalizou. As derrotas subiram-lhe à cabeça.

Nazistas queimando livros em 1933, na Alemanha.
Seu erro, de um primarismo atroz, é responsabilizar um escritor pelas frases que este colocou na boca de um personagem com o qual não se identifica.

Ou seja, a Emília realmente esculhamba a Tia Nastácia, disparando-lhe pejorativos que o povo sempre usou, mas em nenhum momento Monteiro Lobato lhe dá razão.

Quem quer que tenha lido as aventuras do Sítio do Picapau Amarelo, está careca de saber que Lobato falava pela boca da Dona Benta e do Visconde de Sabugosa, não pela da pirracenta e malcriada boneca de pano.

Espera-se que Cid Gomes se mostre à altura do cargo, rechaçando esta nova investida inquisitorial. Desde que tal questiúncula foi levantada, o então ministro da Educação Fernando Haddad e o ministro do STF Luiz Fux já botaram os patrulheiros cricris pra correr. Mas, como hidras, parece que será preciso cortar-lhes várias cabeças, até que desistam de afrontar nossa Carta Magna.
Pois, lembro mais uma vez, o art. 5º da Constituição Federal estabelece com máxima clareza que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Quem tenta introduzir qualquer forma velada de censura está, portanto, na contramão da nossa Lei Maior. Começa muito mal a tal Nilma.

Quanto aos diligentes garimpeiros de pelo em ovo que se autointitulampoliticamente corretos, recomendo-lhes que doravante escolham alvos melhores na sua busca sôfrega por holofotes, esquecendo os gigantes como Lobato –não só um escritor notável, mas também um cidadão imbuído dos melhores ideais, que amargou prisão no Estado Novo, perseguições e prejuízos de toda ordem ao defender de peito aberto os valores nacionalistas e revolucionários.

Se tivessem um mínimo de simancol, iriam aporrinhar outros schoolars, deixando os combatentes das causas nobres em paz.

Atiro-lhes de novo na cara a 11ª tese de Marx sobre Feuerbach: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.

Ou seja, quando pararem de desperdiçar esforços tentando mudar a forma como as pessoas se referem às coisas do mundo, talvez lhes sobre tempo para fazerem o que realmente importa: mudar o mundo.

Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia. Tem um ativo blog com esse mesmo título.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.