México: sonhos latino-americanos, pesadelos bushianos

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Publicado terça-feira, 22 de fevereiro de 2005 as 09:11, por: CdB

Os mexicanos já tinham sido roubados nas eleições presidenciais de 1986. Cuahetemoc Cardenas, do opositor PRD, havia triunfado sobre o candidato do PRI, Salinas de Gortari. Porém, como confessou explicitamente nas suas memórias recentemente públicas, Miguel de la Madrid, então presidente do México, alterarou o resultado para manter o governo nas mãos do PRI em um momento crucial para o futuro do país.

Foi Salinas quem comandou a implantação do modelo neoliberal, juntamente com a assinatura do Tratado de Livre-comércio da América do Norte (Nafta), que selou o futuro do país. O que não impediu a rebelião zapatista, nem a crise da economia mexicana e os escândalos que acabaram fazendo com que Salinas e seu irmão tivessem que passar à clandestinidade, fugindo do país. Mas o servicinho já estava feito.

Vieram depois Zedillo – ainda do PRI – e Fox – do direitista PAN – para consolidar a opção do governo Salinas. Fox foi promovido a ser o homem modelo dos EUA na América Latina – na sua qualidade de ex-gerente-geral da Coca-Cola -, mas o fracasso do seu governo recoloca em disputa, agora, a Presidência do México.

Não é possível pensar o destino do México se o resultado eleitoral em 1986 tivesse sido respeitado. Mas o susto passado pelas elites mexicanas e por Washington ameaça repetir-se agora, quando o governador do DF, a capital do México, Lopez Obrador, também do PRD, lidera há bom tempo as pesquisas presidenciais, um reflexo de seu bom governo.

Desta vez, porém, não se espera acabar as eleições para roubá-las. Iniciou-se logo uma monumental campanha tentando desqualificar Lopez Obrador. Primeiro foi uma ação semelhante àquela realizada contra José Dirceu, com exemplos tirados de manuais de contra-informação dos EUA: um suposto mensageiro de Lopez Obrador foi filmado tentando subornar em seu nome. Depois da resposta e, principalmente, de uma gigantesca manifestação de apoio ao atual prefeito da Cidade do México, vieram outras acusações.

A última delas – a de uma suposta ação de governo desautorizada pela Justiça, de reforma de um prédio de hospital – pode levar à retirada da imunidade de Lopez Obrador, por acordo feito entre o PRI e o PAN no Congresso. Lopez Obrador já disse que registrará sua candidatura e fará sua campanha presidencial, ainda que seja da prisão. Cuahutemoc Cardenas, que se apresenta também como pré-candidato do PRD – desta vez sem força – afirmou que retirará seu nome, caso Lopez Obrador seja impedido de ser candidato.

O certo é que está colocada a possibilidade de que, em julho de 2006, o México, pela primeira vez, eleja um presidente de esquerda. Se coincidir com a reeleição de Lula, de Kirchner e de Hugo Chávez, pela primeira vez a América Latina teria, nos seus principais países, governos que resistem à liderança norte-americana no continente. A isso é preciso acrescentar o governo de Tabaré Vazquez no Uruguai, a consolidação do próprio Hugo Chavez, os importantes acordos assinados por Cuba com a China e a Venezuela, além da descoberta de petróleo na Ilha, bem como os acordos recentemente assinados pelo Brasil com a Venezuela – para dar um quadro resumido e preocupante para Washington.

Estariam dadas as melhores condições para o avanço no processo de integração continental. Se é certo que é muito difícil para o México abandonar o Nafta, é certo que pode avançar cada vez mais acordos com o Mercosul e com o resto do continente. É esse cenário que a direita mexicana – centrada na aliança PRI-PAN – e o governo Bush querem evitar a todo custo.
Este será o ano das batalhas judiciais para tentar impedir a candidatura de Lopez Obrador. Temos que ter os olhos postos no México, cujo destino pode fazer balançar favoravelmente à esquerda o cenário latino-americano.

Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públ