Memorável Édith Piaf, a alma de Paris

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Publicado quinta-feira, 8 de agosto de 2024 as 10:24, por: CdB

A vida e a obra da cantora, marcada por dor e glória, continuam a emocionar gerações, eternizando sua voz como símbolo de Paris.

Por Elza Campos – de Brasília

Sempre uma sensação de dor e de profunda emoção com a canção Non, je ne regrette rien, (Não, Não Me Arrependo de Nada), magistralmente interpretada por uma das maiores e mais populares cantoras do século XX na bela Paris, a inesquecível Édith Piaf. Já assisti ao filme, Piaff – um hino ao amor algumas vezes, e a cada vez, as lágrimas caem e o coração transborda com tanta profusão de sentimentos de uma vida conturbada entre abandono, violência, glória, paixões, perdas e recomeços.

A cantora francesa Edith Piaf posa em sua casa em Nova York em setembro de 1946

A interpretação de Marion Cotillard na película é surpreendentemente sublime, personificando Piaf de forma impressionante, mostrando a Édith pequena, miúda, voltada para si, mas que ao cantar e interpretar, transforma-se espantosamente em uma Mulher poderosa, com grande força visual. Vivendo Piaf em diversas fases de sua vida, Cotillard é premiada com o Oscar de melhor atriz. Ela, vive uma encarnação de Édith, desde a juventude conturbada da cantora até momentos de glória e reconhecimento na França, incorporando cada gesto, cada trejeito incluindo a postura por muitas vezes encolhida de Édith, em todos os momentos mais fatídicos da película como quando soube da trágica morte de Marcel Cerdan em 1949, grande amor de sua, Ele, uma figura famosa do boxe francês e ícone da geração do pós-guerra. Edith e Marcel se conhecem em 1948, em um show nos Estados Unidos, vivem um grande romance. Uma das cenas mais fortes e arrepiantes do filme, ocorre quando ela é informada da morte de seu grande amor. Em sua memória, Piaf gravou a célebre Hymne à l’amour e Mon Dieu.

A canção:  Non, je ne regrette rien, composta em 1956, com letra de Michel Vaucaire e melodia de Charles Dumont, nos move com um sentimento de muita tristeza para acalentar a vida de sofrimentos e de sobrevivência e parece-nos encomendada para Piaf, por sua vida desgraçadamente cheia de percalços, mas também de reconhecimento por sua persistência e sua belíssima voz e interpretação. A encantadora canção, que ela confessa representar sua vida, foi gravada pela primeira vez por Édith Piaf em 10 de novembro de 1960.

A película é dirigida por Olivier Danham e desde seu início nos sensibiliza, mostrando a degradação da miséria, como enfatiza Victor Hugo em sua célebre obra: “Os Miseráveis” em uma Paris do século XIX:  “(…) a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século, a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância, não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis” (Prefácio de Victor Hugo, à sua obra-prima: Os Miseráveis). (https://l1nq.com/V1ZZO). Podemos repetir a profunda e real observação de Victor Hugo, sobre a crítica às desigualdades sociais e a condição dos oprimidos, um retrato realista e profundo da vida em sua crueza, no filme em questão, em uma Paris do início do século XX.

Édith Piaf (1915-1963), nome artístico de Edith Giovanna Gassion, recebeu o nome de Èdith para homenagear uma enfermeira da Primeira Guerra Mundial que foi executada pelos alemães por ajudar soldados franceses. Nasceu em 19 de dezembro de 1915 no distrito de Belleville, um bairro de classe operária localizado na periferia de Paris, uma região de migrantes. Filha de Louis Alphonse Gassion, um acrobata, e de Anneta Giovanna Maillard, uma cantora de cabarés. Abandonada pela mãe aos dois meses de idade, teve desde então, uma infância de desprezo e desamparo. Com a avó materna, sofreu maus-tratos, sendo entregue à avó paterna, que dirigia um bordel na Normandia, local que viveu rodeada pelas jovens prostitutas que a acolheram, principalmente a Titine (Emmanuelle Seigner)  que a tratava como filha. Ainda menina contraiu uma queratite (inflamação das córneas), ficando cega, mas conseguindo reaver a visão. Recuperada da visão, seu pai a arranca da casa onde era protegida por Titine, uma das cenas mais tristes da película.  Ela acompanha seu pai em suas apresentações nas ruas de Paris, conseguindo grande parte do seu sustento. Aos 16 anos, aluga um quarto de uma pensão e se apaixona por um entregador, engravida e é mãe aos 18 anos, dando-lhe o nome de Marcele,  que faleceu vítima de meningite com dois anos de idade. Dessa relação abusiva com o entregador, Piaf foge.

Carreira artística

Conheceu Louis Leplé (Gérard Depardieu), que a iniciou na carreira artística e a apelidou de Pequeno Pardal, por seu canto dramático e por sua estatura de um metro e quarenta centímetros. Leplé apoiou Edith estimulando seu trabalho, a levando para para cantar nos melhores clubes e cabarés de Paris, com seu canto e interpretação impressiona a alta sociedade francesa. Infelizmente, Louis Leplé morre e ela ainda é interrogada pela polícia, sendo julgada pela sociedade, passando por novos momentos de sofrimento. Ainda assim, reergue-se graças ao apoio de Raymond Asso (Marc Barbé), que a ajuda a se transformar, finalmente, em Édith Piaf.

O seu canto expressava claramente sua trágica história de vida. Entre seus maiores sucessos estão La vie en rose (1946), Hymne à l’amour (1949), Milord (1959), “Non, je ne regrette rien” (1960). Participou de peças teatrais e filmes. (https://l1nq.com/mDhYn)

Conhecida como ”A voz da França”, Piaf recebeu várias homenagens artísticas. Entre elas estão: um livro de memórias de sua amiga Ginou Richer (Piaf, mon amie), uma biografia escrita por Claude Fléoute (Édith Piaf, dix minutes de bonheur par jour, c’est déjà pas mal),um livro com uma centena de cartas que escreveu ao seu confidente Jacques Bourgeat entre 1936 e 1959 (Lettres à l’ami de l’ombre) e o filme Piaf: Um Hino ao Amor, estrelado por Marion Cottilard. (https://l1nq.com/dZ5i2)

Como se não bastasse minha imensa admiração por Piaf, em uma das bancas de graduação do Curso de Serviço Social na UniBrasil, no ano de 2016, uma aluna com pensamento crítico, minha orientanda e hoje colega de profissão, ao apresentar seu trabalho de finalização do curso intitulado “As possibilidades de intervenção do Serviço Social para além do capital”, a formanda Melissa me presenteia em plena banca com uma linda dedicatória e a canção Non, je ne regrette rien.

Pouco conheço de Piaf e de suas músicas, mas a admiração sempre foi crescente e confesso que esse filme está entre aqueles que são dignos de serem vistos várias vezes. Uma história que atravessa décadas, sendo repleta de tristezas e revezes. Édith morre muito cedo, aos 47 anos de idade, extremamente doente e debilitada tanto pela dependência do álcool, como também da morfina, mas deixa um imenso legado. Está sepultada no cemitério do Père-Lachaise. Segundo informações da Wikipedia, seu funeral foi acompanhado por uma multidão poucas vezes vista na capital francesa, seu túmulo é um dos mais visitados por turistas do mundo inteiro. Piaf, considerada a 10ª maior personalidade francesa de todos os tempos, pela BBC Le Plus Grand Français, um título que faz jus à quem foi a alma de Paris.  (https://l1nk.dev/yudxM).

 

Elza Campos, é assistente social, mestra em Educação (UFPR), ex-presidenta nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM) e Secretária de Mulheres do PCdoB-PR.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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