Locarno, desmatamento e cura divina na Amazônia

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Publicado quinta-feira, 15 de agosto de 2024 as 13:34, por: CdB

Transamazônia tem tudo de um filme brasileiro, mas é uma coprodução de diversos países com direção de Pia Marais, nascida na África do Sul e vivendo na Alemanha. A história levou alguns anos para ser escrita, mas, como conta Pia Marais, a inspiração veio ao ler um livro no qual se contava a história de uma senhora sobrevivente da queda de um avião na floresta amazônica, onde se aproximou dos indígenas e com eles encontrou o prazer e a vontade de viver.

Por Rui Martins, convidado pelo Festival de Locarno
As missões evangélicas colaboram indiretamente com os responsáveis pela destruição da Amazônia

Para completar o cenário e criar condições para a filmagem, Pia Marais precisou viver um tempo no Estado do Pará, numa pequena cidade fronteiriça com uma reserva indígena. Para fazer o filme, contou com atores profissionais, atores brasileiros e indígenas locais. As filmagens eram muito difíceis porque a reserva é praticamente cortada pelo meio por uma estrada, utilizada pelos madeireiros para o transporte dos troncos das árvores por eles derrubadas, além do calor reinante com o qual ela e os atores tiveram de aprender a conviver.

Com relação ao desmatamento, Pia Marais observou haver, além dos madeireiros, uma prática cotidiana da população, cujos habitantes entram diariamente na floresta com bicicletas e motos a fim de buscar madeira para suas necessidades familiares.

Naquela região, Pia Marais constatou a existência de uns 30 grupos religiosos, a maioria missões norte-americanas também interessadas na conversão dos indígenas. Esses grupos não são registrados e funcionam de uma forma que se poderia considerar ilegal. Como é originária da África do Sul, Pia Marais se lembrou das missões religiosas no seu país agindo da mesma maneira. Embora os religiosos pareçam defender as florestas, existe uma contradição: a conversão dos indígenas para o cristianismo, deixando seu xamanismo natural, faz com que se civilizem e deixem o meio natural onde vivem, deixando de ser seus protetores.

A figura central do filme é Rebeca, uma jovem loura, que escapara de um acidente de avião na floresta, salva por um indígena é considerada filha do pastor americano da missão evangélica local. Considerada como milagre divino, Rebeca tem o dom de curar os doentes e isso, utilizado pelo pastor como cura divina, traz dinheiro e garante o crescimento da igreja criada pela missão.

O filme documenta a derrubada de árvores enormes e centenárias, mostrando como se processa o desflorestamento da Amazônia, com choques frequentes entre os madeireiros com os indígenas protetores das florestas onde vivem. As barragens criadas pelos indígenas na estrada e os atos de sabotagem incendiando tratores e motosserras são reprimidos à bala pelos madeireiros invasores e destruidores das florestas, num combate desigual.

Por Rui Martins, convidado pelo Festival de Locarno. (Alguns dos textos de Rui Martins estão sonorizados no canal O Olhar crítico do Rui Martins, no Youtube).

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