Há algo de podre. E não é na Dinamarca.

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Publicado segunda-feira, 22 de março de 2004 as 10:06, por: CdB

A denúncia de que o governo espanhol conservador, através de seu primeiro-ministro, José Maria Aznar, fez pressões sobre os jornais para que responsabilizassem o ETA pelos atentados de Madri, quando as evidências apontavam para a Al Qaeda, só confirma a situação de desespero em que se encontrava o PP em vista da eleição próxima, em que perderam para os socialistas.

Aznar telefonou para o El País, jornal mais importante da Espanha, garantindo que a autoria do atentado era do ETA. Telefonou também para outros jornais, inclusive do exterior, manifestando a mesma opinião. Só a expectativa de uma derrota, ao contrário do que tinham apontado as pesquisas de opinião, poderia levar um dirigente tarimbado a cometer um gesto tão aloucado.

Mas é importante também considerar que o motivo do telefonema, além do desespero em causa, só pode ter sido a expectativa de em tais jornais encontrar não só interlocutores, mas amigos e aliados. E encontrou! O próprio El País publicou edição especial responsabilizando o ETA: “Massacre do ETA em Madri” era a manchete, em letras garrafais.

O diretor do jornal disse que o primeiro-ministro era uma fonte confiável. Caramba! Devemos, se o critério do jornal for esse, recomendar a todos os governantes do mundo que liguem para o El País e digam o que quiserem: são fontes confiáveis.

Já vimos o filme. Em 1989, às vésperas do segundo turno, um grupo político algo inverossímil seqüestrou o empresário Abílio Diniz. A polícia estourou o cárcere privado, libertando o empresário, mas depois fez estrepolias, chegando a vestir camisetas do PT nos seqüestradores. A armação era evidente. Mas muitos jornais pelo país afora estamparam as fotos e culparam o PT pelo seqüestro, isso sem falar em outras manipulações, como a da Rede Globo sobre o último debate entre Lula e Collor.

Repito o que afirmei na coluna anterior: a atitude de Aznar e do PP só pode ter sido ditada pelo conhecimento de algo que as pesquisas não tinham apontado, ou por não captarem ou por ocultarem.

Há algo de podre. E não é na Dinamarca.

P. S. – Leitores me lembraram de que o verso citado em meu artigo anterior (“A Espanha de Franco, não!”) é do Manuel Bandeira. Obrigado.

Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.