Grávidas de todo o pais temem contaminação por vírus zika

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Publicado sábado, 12 de dezembro de 2015 as 16:45, por: CdB

O conhecimento em torno das complicações resultantes da infecção pelo vírus zika está sendo construído agora, portanto, tanto as grávidas quanto a população em geral não têm conhecimento exato sobre o que está, realmente, acontecendo

 

Por Redação, com ABr – de Brasília, Recife e Rio de Janeiro

Grávidas como a policial militar pernambucana Monique Cordeiro, de 27 anos, com 11 semanas de gestação, vivem com medo. Ela não sai mais de casa “se não for para trabalhar”, relata. A PM Cordeiro se sente prisioneira dentro de sua própria casa, “porque o medo é muito grande aqui”.
— Abri mão de tudo — lamenta.

O maior temor das grávidas é uma infecção por vírus zika, que causa microcefalia
O maior temor das grávidas é uma infecção por vírus zika, que causa microcefalia

Monique Cordeiro mora no município de Arcoverde, no sertão de Pernambuco, Estado que registra o maior número de casos de microcefalia associado ao vírus zika. Dos mais de 1,7 mil casos suspeitos, cerca de 800 são no Estado.
— Já tive crise de nervos, de achar que estava pintada (com manchas), sem estar. Está sendo muito difícil e a minha cidade tem muita gente doente (com sintomas de zika) — afirmou Monique.
Desde o fim de novembro, quando o Ministério da Saúde confirmou a relação do vírus com o aumento dos casos de malformação congênita, especialmente na Região Nordeste, Monique e grávidas de vários Estados têm encarado uma gestação cheia de temores.
— É meu primeiro filho e já tive um aborto há três anos, por isso é ainda maior a preocupação — afirmou.
Ela lamenta que não esteja aproveitando, como gostaria, a gravidez.
— São muitas notícias erradas, desencontradas, que deixam a gente com dúvidas e em pânico — lamenta.
O uso constante de repelente, de roupas que encobrem todo o corpo das grávidas, a instalação de telas contra mosquitos e a vistoria de criadouros da dengue são algumas das práticas comuns entre as mulheres brasileiras. No Ceará, Estado que registra 40 casos suspeitos de microcefalia associada ao zika, a analista de recursos humanos Fernanda Mendes, 34 anos, que está grávida há 17 semanas, adotou como medida principal o uso do repelente.
— Comecei a ficar mais ansiosa para saber como me prevenir, buscar informações, mas também procuro não enlouquecer — pondera.

Mas as dúvidas em relação ao uso do repelente também intrigam as grávidas

O médico Marcelo Burlá, presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro, informa que não existem estudos sobre o uso intenso e prolongado desse produto em grávidas. Mas também não há relatos de efeitos adversos em relação aos agentes químicos dos repelentes habituais. A substância que tem sido mais recomendada pelos médicos é a icaridina, cujo nível de concentração permite proteção mais prolongada. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o uso é seguro para mulheres grávidas.
Burlá orienta que o ideal é evitar o mosquito no ambiente em que se permanece a maior parte do dia, para que não seja necessário passar constantemente o repelente. “Quando sair para a rua, usar repelente e tentar, de maneira razoável, cobrir a superfície corporal o máximo possível”, sugeriu. A grande procura por repelentes fez com que a demanda no laboratório Osler, que produz a marca com icaridina no Brasil, aumentasse mais de 1000%, informou Paulo Guerra, diretor-geral da empresa.
— Tínhamos a substância em estoque, mas fizemos adaptações. Como o produto é importado e trazíamos de navio, agora estamos trazendo semanalmente de avião — acrescentou.
Apesar disso, algumas farmácias têm adotado estratégias para garantir a distribuição do produto, como lista de espera e limite de compra por cliente.
— Estava procurando o Exposis, que todo mundo fala que é o que tem maior tempo de duração, mas aqui em Fortaleza ele praticamente esgotou em todos os lugares em que procurei. Deixei meu nome em uma loja e consegui comprar um frasco — resigna-se.

Grávidas e sem informações

O conhecimento em torno das complicações resultantes da infecção pelo vírus zika está sendo construído agora, portanto, tanto as grávidas quanto a população em geral não têm conhecimento exato sobre o que está, realmente, acontecendo. É o que dizem especialistas em relação ao aumento dos casos de microcefalia relacionada ao vírus. Enquanto estudos estão em curso, grávidas vivem uma gestação marcada pelo temor de contraírem a doença, que é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, foram registrado 1.761 casos suspeitos de má-formação congênita, em 422 municípios.
— Essa é uma doença pouco conhecida, porque ocorreram poucas epidemias no mundo e foram epidemias com poucos casos. Não tivemos nenhuma epidemia de zika que teve um número grande como estamos tendo no Brasil. Nós estamos conhecendo agora, escrevendo agora como se comporta a Zika e as repercussões que ela pode dar no indivíduo infectado — declarou o infectologista Marcos Boulos, professor da Universidade de São Paulo e coordenador de controle de doenças da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.
O também infectologista David Uip, secretário estadual de Saúde de São Paulo e que foi responsável pelo primeiro diagnóstico de Aids no Brasil em 1982, faz uma relação do Zika ao HIV. “Nós fomos trabalhar com as vias de contaminação por identificação de vírus e diagnóstico em 1985 e medicamento somente em 1996. Só 15 anos de descoberta de uma nova doença para os primeiros medicamentos que mudaram a história e a evolução do HIV/Aids”, comparou. Ele avalia é preciso buscar novos conhecimentos sobre o Zika, mas que demandará tempo de maturação.
Boulos avalia que não seria possível prever a doença, tendo em vista que ela não era conhecida dos médicos e pesquisadores brasileiros.
— Se nós tivessemos despertos para uma possibilidade de doença diferente da dengue, daí as investigações poderiam ser feitas naquele momento e poderíamos ter algo diferente do que acabou acontecendo. Nós acomodamos que tudo era dengue. Quando não faz diagnóstico no começo, tem mais dificuldade para controlar a disseminação — apontou.
Ele explica que para haver um aumento expressivo dos casos de microcefalia associada ao Zika, é preciso que o vírus esteja amplamente disseminado. Em relação à incidência, no entanto, apesar do aumento, ele destaca que o número é insignificante em termos de uma geração, mas que o impacto para as famílias não pode ser comparado nesses termos.