Goleada da Argentina

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Publicado sexta-feira, 1 de julho de 2005 as 09:10, por: CdB

Na Copa das Confederações, o Brasil venceu a final e lavou nossa alma. Porém, em matéria de economia e política econômica, quem está goleando é a Argentina. De 2003 até agora, o desempenho de nossos vizinhos tem superado o brasileiro por larga margem.


Brasil 4 x Argentina 1. Maravilha! Lavamos a alma.
Porém, em matéria de economia e política econômica, quem está goleando é a Argentina. E não é de hoje.

De 2003 até agora, o desempenho econômico da Argentina tem superado o do Brasil por larga margem. Era previsível. Aqui mesmo nesta coluna, escrevi o seguinte há quase dezoito meses: “O que se vê na Argentina de Kirchner é uma política governamental mais ousada, menos presa a fórmulas e rotinas convencionais, formando um contraste notável e, para muitos, inesperado com o Brasil de Lula” (Argentina: o balanço que faltou, Agência Carta Maior, 13 de janeiro de 2004).

Bem. Isso foi em janeiro do ano passado. Desde então, a economia argentina continuou crescendo a taxas elevadas. O PIB aumentou nada menos que 9% em 2004 depois de ter crescido 9% em 2003 (enquanto isso, a economia brasileira registrou crescimento de 0,5% em 2003 e de 5% em 2004). Para 2005, estima-se que o crescimento da Argentina seja menor, mas ainda expressivo, entre 6% e 7% (calcula-se que a taxa de crescimento do Brasil fique em 3% ou menos neste ano). A expansão da Argentina tem sido liderada por vigorosa retomada dos investimentos produtivos, o que aumenta as chances de que o processo venha a se sustentar ao longo do tempo.

Apesar da rápida expansão da economia, a inflação foi razoavelmente controlada e o balanço de pagamento registrou superávits em transações correntes. Medida por um índice de preços ao consumidor, a taxa de inflação na Argentina caiu de 41% em 2002 para 4% em 2003, voltando a aumentar para 6% em 2004. Estima-se que ela suba para cerca de 10% em 2005. Nessa área, o Brasil deve fazer o seu gol de honra: a inflação brasileira será inferior à da Argentina em 2005.

Para salvar a nossa cara, alguns economistas brasileiros lembram que a Argentina está retomando o terreno perdido durante a recessão do período 1999-2002. A ressalva é válida, especialmente para a fase inicial da recuperação. Mas não se deve perder de vista o essencial: a Argentina não teria alcançado o que alcançou se estivesse seguindo as políticas preconizadas pelo FMI ou (o que daria no mesmo) inspirando-se no exemplo Palocci-Meirelles.

O FMI recomendou insistentemente que o governo argentino aumentasse o superávit fiscal primário para níveis próximos, em termos de percentagem do PIB, aos observados no Brasil. O ministro da Economia, Roberto Lavagna, não aceitou. A Argentina fixa metas de superávit primário que ela considera compatíveis com o crescimento da economia e outros objetivos do governo. Esse foi um dos princípios que orientaram a bem-sucedida reestruturação da dívida externa pública.

As taxas de juro de curto prazo são sempre muito inferiores às brasileiras. Em termos reais, chegam a ser negativas em alguns períodos. A Argentina busca, além disso, manter um câmbio depreciado e competitivo. O Banco Central vem seguindo um regime de flutuação administrada, com intervenções no mercado cambial para conter a tendência de apreciação do peso. Essas intervenções são freqüentemente esterilizadas, por meio de operações de mercado aberto ou outros mecanismos. Com taxas de juro internas moderadas, o custo fiscal de acumular reservas internacionais não é proibitivo, como no Brasil.

A Argentina também não tem preconceito contra controles de capital. Restrições à entrada de capitais especulativos ou de curto prazo têm sido aplicadas com freqüência para ajudar a conter a valorização da moeda argentina.
Enquanto isso, aqui reina a mediocridade. Em matéria de política econômica, o Brasil ainda está na “era Dunga”, aquele tempo do futebol de retranca, defensivo e perdedor.