Espião de Deus ou Pistoleiro de Aluguel

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Publicado quarta-feira, 18 de agosto de 2004 as 11:27, por: CdB

Tentava concluir o Curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP, no início da década de 90, sem saber direito o que fazer com o diploma. Das conversas com Sergio Gomes, um dos três professores que mais influenciaram minha formação profissional (os outros foram Carlos Chaparro e Cremilda Medina), incorporei um conceito, que simboliza perfeitamente o ideal que persigo na profissão desde que me formei, há mais de 10 anos: o jornalista é um espião de Deus.

Para tentar exercer essa função na sociedade, abandonei uma carreira bem sucedida de bancário. Alguns anos depois, já com experiência profissional, ouvi de um colega de trabalho outra expressão que se encaixa bem na visão crítica que tenho hoje do exercício dessa profissão: jornalista é pistoleiro de aluguel.

As duas definições têm gênese no conceito de justiça. Podemos dizer que o jornalista é pago para fazer justiça. Mas a visão de justiça do pistoleiro de aluguel é particular, segmentada. Mistura o julgamento dele próprio com a representação da realidade feita pelo contratante. Por outro lado, o espião de Deus tem mandato para buscar um senso de justiça mais abrangente: o bem comum. Ele está a serviço da justiça divina, da justiça para o equilíbrio da sociedade. Sua função é não deixar que os mais fracos sejam injustamente subjugados pelos mais fortes.

Os jornalistas querem ser espiões de Deus, mas a estrutura social das redações acaba empurrando a grande maioria para a condição de pistoleiros de aluguel. Isso não é uma peculiaridade de países como o Brasil. Nem está relacionado ao maior ou menor grau de liberdades democráticas. A partir de uma pesquisa, feita na década de 1950, com 120 jornalistas de jornais de médio porte do Noroeste dos EUA, o sociólogo Warren Breed, da Universidade Tulane (Nova Orleans), concluiu que os donos ou responsáveis pelas publicações (publishers) exercem um controle efetivo sobre o que é publicado, usando mecanismos subliminares que produzem o conformismo das redações.

No artigo “Controle Social na Redação: uma Análise Funcional”, publicado originalmente em 1955 no volume 33 da revista Social Forces, ele mostra como é passada a orientação política no interior da redação, de que maneira os jornalistas a percebem e quais os motivos que os levam a aceitar passivamente essa situação. A conclusão de Breed é que só a pressão social sobre o publisher pode conduzir a uma imprensa mais livre e responsável:

“A fonte de recompensas do jornalista não se localiza entre os leitores, que são manifestamente os seus clientes, mas entre os seus colegas e superiores. Em vez de aderir a idéias sociais e profissionais, ele redefine os seus valores até ao nível mais pragmático do grupo redatorial. Ele ganha, desse modo, não só recompensas ao nível do estatuto mas também a aceitação num grupo solidário empenhado num trabalho interessante, variado e, por vezes, importante. Assim, os padrões culturais da sala de redação produzem resultados insuficientes para as mais vastas necessidades democráticas. Qualquer mudança importante tendente a uma ‘imprensa mais livre e responsável’ deve provir de várias pressões sobre o publisher, que incorpora o papel decisório e coordenador”.

Quem conhece a realidade de uma redação e tem uma visão crítica do jornalismo sabe que as observações feitas por Warren Breed há quase 50 anos continuam extremamente atuais. O foca chega em uma redação, mira o jornalista de maior prestigio – a principal estrela do jornal, revista, rádio ou TV – e se pergunta: o que preciso fazer para chegar lá? Não estamos falando aqui de pessoas sem caráter ou mal-intencionadas. São jovens íntegros que sonham melhorar o mundo com suas reportagens. Mas, o que acontece quando as sugestões de pauta ou textos finais não passam pelo crivo dos chefes e editores? Sentem-se fracassados, sem entender bem onde está o problema.

O controle da redação é silencioso, subliminar. Um dia, o jovem repórter apura um cas