Equador: violência e dolarização

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Publicado segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024 as 10:09, por: CdB

Essa narrativa, embora aponte as causas imediatas da atual onda de violência, falha em explicar suas causas mais profundas que é o desmonte do Estado equatoriano ao longo dos anos.

Por Luís Antônio Paulino – de Brasília

O Equador mergulhou em onda de violência sem precedentes que já custou a vida de milhares de pessoas. A narrativa que se lê na imprensa sobre as causas do conflito é que os principais carteis mexicanos do narcotráfico ali se instalaram recrutando gangues locais por conta do porto de Guaiaquil e outros portos do país terem se tornado localizações convenientes para a exportação da droga produzida nos vizinhos Colômbia e Peru para a Europa e Estados Unidos. A causa principal da violência, continua a narrativa, é a disputa entre esses carteis de drogas envolvendo as gangues locais pelo domínio do lucrativo negócio que movimenta bilhões de dólares.

Um território com um Estado ausente torna-se terra de ninguém, como também o demonstra o domínio do narcotráfico da Amazônia brasileira

Essa narrativa, embora aponte as causas imediatas da atual onda de violência, falha em explicar suas causas mais profundas que é o desmonte do Estado equatoriano ao longo dos anos.

O Equador vem passando por um processo de privatização das funções do Estado há anos. Na área de segurança, por exemplo, o contingente de pessoas empregadas na segurança privada já é superior ao das forças públicas. Um território com um estado ausente torna-se terra de ninguém, como também o demonstra o domínio do narcotráfico da Amazônia brasileira.

No caso do Equador, até de sua moeda nacional o país abriu mão quando decidiu enterrar o sucre, sua moeda local, cujo nome homenageava o general Sucre, libertador do Equador durante as campanhas lideradas por Bolivar no século 19, trocando-o pelo dólar norte-americano. Muitos poderiam se perguntar: o que tem a dolarização do país, realizada há mais de 20 anos, a ver com o aumento da violência?

Tem tudo, não apenas pelo abandono de sua própria moeda, mas sobretudo pelo que isso representa: a renúncia de sua elite política e econômica de dirigir seu próprio país,  de ter um projeto de nação que atenda aos interesses coletivos e ao desenvolvimento nacional.

Estados Unidos

Ao hipotecar parte importante de sua soberania ao banco central dos Estados Unidos a elite equatoriana deixou clara sua traição aos interesses nacionais e mandou o recado a todos que quisessem se aproveitar do país: venham, aqui é terra de ninguém, não existe Estado, tudo está à venda, inclusive o próprio país.

A adoção do dólar como moeda local tornou o país um local ideal para a lavagem de dinheiro do tráfico internacional. Estima-se que cerca de 3% do PIB equatoriano, o equivalente US$ 3,5 bilhões, são provenientes da lavagem de dinheiro do narcotráfico (O Globo, 20/11/2023). Como destacou a matéria do diário conservador carioca O Globo, “Além da lavagem de dinheiro, os ajustes neoliberais adotados primeiro pelo governo do então presidente Lenín Moreno e depois pelo atual governo de Guillermo Lasso, ambos seguindo as recomendações de um acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), promoveram medidas que levaram a um processo sistemático de cortes na área de segurança.

Além disso, a percentagem de pessoas em situação de pobreza aumentou gradativamente nos últimos anos, e passou de 21,9%, em 2019, para 25,5%, em 2022 (…) Hoje, 5 milhões de pessoas vivem com apenas US$ 3 por dia, e 2 milhões com menos de US$ 1,70. Essa situação de pobreza e miséria, abre espaço para que muitos acabem se envolvendo com o tráfico”. Infelizmente a Argentina está indo para o mesmo caminho.

 

 

Luís Antônio Paulino, é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diretor do Instituto Confúcio na Unesp, pesquisador do Instituto de Estudos de América Latina da Universidade de Hubei, China e colaborador do portal Bonifácio.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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