Direção do PT se reúne diante da pior derrota desde a década de 80

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Publicado quarta-feira, 5 de outubro de 2016 as 16:04, por: CdB

A dimensão do impacto causado pela derrota nas urnas ainda não foi calculado. Sequer existe, ainda, a certeza de que o PT seguirá adiante. Ao longo dos últimos quatro anos, o declínio chega a mais de 10 milhões de votos

 

Por Redação – de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo

 

O ambiente na Executiva Nacional do PT, nesta quarta-feira, assemelhava-se ao de uma Quarta-feira de Cinzas. Reunidos após a derrota sofrida no domingo, os principais dirigentes da legenda bem que tentavam elevar o moral. Mas sabem que o desastre foi muito pior do que o previsto. Diante da pilha de erros acumulados ao longo dos últimos 13 anos, a legenda sofre seu pior golpe.

Rui Falcão, ao lado de parlamentares da legenda, presidiu a reunião da Executiva Nacional
Rui Falcão, ao lado de parlamentares da legenda, presidiu a reunião da Executiva Nacional do PT, em Brasiília

A dimensão do impacto causado pela derrota nas urnas ainda não foi calculado. Sequer existe, ainda, a certeza de que o partido seguirá adiante. Ao longo dos últimos quatro anos, o declínio chega a mais de 10 milhões de votos. De 630 prefeituras conquistadas em 2012 foram reduzidas a 231, um mandato depois.

Na reunião da Executiva, a corrente Mensagem ao Partido, segunda maior do PT, defendeu a realização da troca de comando, ainda este ano. A antecipação das eleições internas estava na pauta do encontro. O Movimento Muda PT, que reúne parte da bancada federal e defende uma reformulação da legenda, estava presente à reunião.

‘Partido médio’

Para o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro (PT) o PT encolheu e se tornou um partido médio. Entre os erros cometidos ao longo dos últimos anos precisam ser reconhecidos e reparados.

— O PT, que era um partido grande, se transformou num partido médio. Perdeu, certamente, milhões de votos nesta eleição. Devemos recolher desse resultado uma lição política, mesmo que tenhamos sido o alvo principal do cerco midiático à política. Um partido não é uma mercadoria. É um contrato moral e político que tanto pode enfrentar desgastes e crises como crescer e se recuperar — afirmou Genro, a jornalistas.

Genro defende, agora, a formação de “uma frente ampla de esquerda” e pensa que Lula não deve ser presidente do partido.

— Acho que o Lula não quer e, na minha opinião, nem deve ser presidente do PT na circunstância em que estamos vivendo. Sou favorável a que apareça para a direção partidária uma nova geração de líderes que surgiu no último período Para que façamos, de um lado, uma profunda reflexão pública sobre os nossos erros políticos e de gestão partidária. Também, para que comecemos uma nova etapa de reconstrução programática e ética — disse.

Sentido histórico

Para o ex-governador gaúcho, Lula não precisa exercer um cargo formal no partido para exercer sua influência.

— Na visão que defendo, deveria ser o articulador de uma nova frente política, ideologicamente definida e inovadora, tanto em termos de organização como em termos de plataforma democrática. Na qual, inclusive, o PT não tivesse uma hegemonia automática, como tem sido nosso costume — acrescentou.

Genro acredita que, ”para retomar o sentido histórico, democrático e social que esteve na raiz da sua fundação, nós do PT temos que nos colocar a seguinte questão: mesmo não sendo numericamente os maiores responsáveis pela corrupção no país, como o PT se envolveu em práticas que sempre condenou? E por que isso se tornou um modo de fazer política e de promover a governabilidade em nosso meio? Pragmatismo, sistema de alianças e sistema político são explicações verdadeiras, mas insuficientes”, disse Genro.

— Para mim, a principal causa do nosso ingresso nessa crise foi a transformação do partido num organismo voltado principalmente a manter o poder, como qualquer outro partido fez até agora, abdicando do “utopismo democrático” e libertário, para o qual não vale a pena alcançar determinados fins por quaisquer meios — pontua.

Desmontar é
bem mais rápido

Para o dirigente petista fluminense Val Carvalho, articulista do Correio do Brasil, a avaliação de Genro é insuficiente para descrever a realidade. “Que os deuses do Olimpo socialista iluminem a Executiva Nacional do PT”, disse Carvalho, em uma rede social.

“Tarso Genro disse que o ‘PT virou um partido médio’. Sim, isso é verdadeiro do ponto de vista quantitativo. Mas totalmente insuficiente para analisarmos a situação e o papel político do partido. Um partido de esquerda vale mais pela qualidade de sua representação social e por sua tendência ascendente, do que apenas pelo tamanho. Éramos grandes, mas não soubemos no manter grandes”, acrescentou.

Ainda segundo Val Carvalho, “não se trata apenas de analisar isoladamente os resultados das eleições municipais, mas de todo um processo de erros que nos levou ao quadro atual. A vitória eleitoral da direita golpista deu fôlego à ideologia reacionária que começou a tomar conta da sociedade desde as manifestações de 2013. Essa ideologia foi mudando a forma do povo pensar política e de nos ‘ver’. Não se pode passar uma borracha nisso. É a partir dessa nova realidade ideológica que temos de recomeçar a nossa luta”.

“Resumo da ópera, ou melhor, da nossa tragédia. Primeiro ato: confrontamos com eles na política eleitoral, conciliamos com eles na política econômica e abrimos mão da luta ideológica contra eles. Segundo ato: eles fizeram a luta ideológica contra nós, não conciliaram conosco na economia e foram para o vale-tudo, o ‘quanto pior, melhor’. O confronto total contra nós na política”, relata.

Para o articulista, “por conta disso, o golpe foi vitorioso e o Brasil está sendo desmontado enquanto Nação. E desmontar é muito mais rápido do que construir. No futuro ‘redentor’, ressurgindo dos escombros do incêndio golpista e neoliberal, as esquerdas vitoriosas terão, novamente, que conquistar corações e mentes para puxar ‘pelos cabelos’ a Nação que está lá no fundo, se afogando”.

Articulação
de Esquerda

Para o dirigente petista Valter Pomar, líder da corrente Articulação de Esquerda, minoritária, embora influente no partido, a derrota traz duras lições. Em artigo publicado nesta quarta-feira, Pomar lembra que “só tem algo mais chato do que uma derrota: os epitáfios escritos pelos inimigos, adversários e falsos amigos”.

Em uma série de pontos, publicados nas redes sociais em um longo documento, a corrente prega, como antídoto à quebra severa nas urnas, “o exame da realidade, a busca das causas, retomar as energias e voltar a caminhar”.

Leia, adiante, a íntegra do documento:

Ponto 1

Para começo de conversa: a esquerda já sofreu, está sofrendo e ainda vai sofrer derrotas piores do que as deste 2 de outubro de 2016.

Hoje sofremos derrotas eleitorais e golpes midiático-judiciais-parlamentares.

No passado não muito distante, enfrentamos assassinatos, desaparecimentos, torturas e golpes militares.

No presente, no mesmo dia 2 de outubro, o referendo colombiano disse não ao acordo de paz entre as FARC e o governo. Detalhe: lá como muitas vezes cá, a abstenção foi decisiva para o resultado.

No futuro próximo, notícias piores poderão vir, pois a direita brasileira vai redobrar sua ofensiva contra nosso partido, nossas lideranças e contra os movimentos e direitos sociais.

Como diria o Barão, nada está tão ruim que não possa piorar. Portanto, vamos preparar os ânimos.

Ponto 2

A derrota eleitoral de 2 de outubro de 2016 era uma catástrofe anunciada.

Os resultados de 2014.

A política adotada no início do segundo mandato Dilma.

A operação Lava Jato.

A ação do oligopólio da mídia.

As manifestações de massa da direita.

O impeachment.

As campanhas eleitorais, incluindo aí a linha de campanha, as alianças indevidas, o esconder da estrela e do Partido.

Antes mesmo das campanhas, a redução do número de cidades em que o PT lançou candidaturas (ver gráfico abaixo).

Em 2012 lançamos 1829 candidaturas a prefeito, em 2016 lançamos 995. Em 2012 lançamos 40 mil candidaturas a vereança, em 2016 lançamos 22 mil.

As pesquisas, que já indicavam o que estava por vir.

E os erros continuados de parcelas importantes da esquerda em geral e do PT em particular, tanto erros políticos quanto de outra natureza.

Ninguém pode alegar surpresa.

O que podemos, isto sim, é lamentar a mistura sempre fatal entre a dificuldade que muitos de nós tem de tirar consequências práticas da realidade e a facilidade com que vários de nós acreditam em conversa para boi dormir.

Ponto 3

A derrota foi do PT.

Nacionalmente, as candidaturas majoritárias do PT receberam cerca de 6,8 milhões de votos. Em 2012, havíamos recebido 17,2 milhões de votos.

Nacionalmente, o PT caiu de 630 para 231 prefeituras.

Em São Paulo caímos de 70 prefeituras conquistadas em 2012 para 8 agora (segundo que fomos ao segundo turno em Mauá e Santo André).

Segue a relação de cidades paulistas onde o PT venceu: Araraquara, Franco da Rocha, Itapirapuã Paulista, Barra do Chapéu, Rincão, Nantes, Cosmópolis e Motuca.

A derrota também nos atingiu em estados governados pelo PT. É o caso do Ceará, de Minas Gerais e também da Bahia, com redução no número de prefeituras e de mandatos de vereador.

Os estados do Acre e do Piauí apresentam outro quadro, que merece análise a parte.

Se considerarmos o número de pessoas que moram em cidades governadas por prefeitos/as petistas, a derrota vira desastre.

Grandes dificuldades

Em 2016 governávamos cidades onde residiam 37,9 milhões de pessoas. A partir de 1 de janeiro, vamos governar cidades onde residem 6,1 milhões de pessoas.

Tudo isto significa grandes dificuldades nos segundos turnos. A direita obviavamente fará de tudo para nos impor derrotas, por exemplo em Recife e Santa Maria.

O que significa dizer, também, que os poucos mandatos (vereanças e prefeitos/as) que conquistamos terão tempos extremamente difíceis pela frente.

Mas a derrota não foi só do PT.

Foi também do conjunto da esquerda.

O número de eleitores que votam na esquerda, em suas variadas expressões, é muito menor hoje do que nas eleições anteriores.

O que significa dizer que os partidos de esquerda que sonham em superar o PT pela via eleitoral, também verão pela frente tempos difíceis.

O PSOL, por exemplo, elegeu um número reduzido de prefeitos e de vereadores em todo o país. Se ganhar o segundo turno, passará a dirigir 5 (cinco) prefeituras. Sua votação caiu, entre o primeiro turno de 2012 e o primeiro turno de 2016, de 2,38 milhões para 2,09 milhões de votos.

Disputará o segundo turno em Belém e no Rio de Janeiro, onde terá que lidar com a tentativa de “domesticação” impulsionada pela Globo.

Ponto 4

Quem cresceu com a derrota do PT?

Principalmente o PSDB.

Ou seja: os fatos não confirmaram aquele discurso segundo a qual a derrota do PT seria acompanhada pelo fim da polarização PTxPSDB.

E dentro do PSDB, a grande vitória é do setor Opus Dei. Sendo que são tucanos 10 dos 23 milionários eleitos para governar prefeituras em todo o país.

Mas isto é acompanhado do crescimento de várias direitas, cuja administração se tornará mais difícil na exata medida do enfraquecimento do inimigo comum de todas elas, o PT.

A seguir a variação de vitórias por principais partidos, sendo o primeiro número referente a 2016 e o segundo referente a 2012. Mesmo sem considerar o número de habitantes por cidade, fica claro uma projeção tucana:

PMDB – 1041 / 1018
PSDB – 811 / 693
PSD – 543 / 494
PP – 495 / 467
PSB – 423 / 436
PDT – 342 / 308
PR – 299 / 274
DEM – 267 / 276
PTB – 266 / 295
PT – 263 / 627

Ponto 5

Dentre as várias causas da derrota do PT, a principal é a mesma que tornou possível o impeachment: perdemos apoio na classe trabalhadora.

Uma parte menor dos que nos apoiavam segue apoiando.

Outra parte menor votou em candidaturas de esquerda, não-petistas.

Uma parte maior passou a votar em candidaturas de centro e direita.

E uma parte também maior reforçou as fileiras do voto branco, nulo e da abstenção.

Os números de São Paulo capital são chocantes: Dória teve 3.085.187 votos. Já a soma de brancos, nulos e abstenções alcançou 3.096.304 votos.

Os números de Belo Horizonte também são chocantes: 38% do eleitorado de BH não votou em nenhuma das candidaturas a prefeito.

Em Porto Alegre, 382,5 mil eleitores e eleitoras não escolheram nenhum candidato no primeiro turno. Ou seja, um número maior do que o resultado obtido por Nelson Marchezan. Este foi o mais votado e conseguiu 213,6 mil votos.

Este talvez seja o maior êxito da campanha da direita: reduzir os votos válidos, através da criminalização da política e dos políticos.

Os dados a seguir, divulgados no portal NEXO, mostram o histórico de crescimento dos brancos/nulos.

Os dados a seguir, da mesma fonte, confirmam o crescimento da abstenção,

A seguir, a queda no alistamento eleitoral de jovens entre 16 e 18 anos, quando confrontamos 2012 com os anos posteriores:

Ponto 6

Aqui e ali, há quem reclame do voto popular.

Não há dúvida de que uma parcela do povo votou contra seus interesses.

Não há dúvida, tampouco, de que uma parcela do povo deixou de votar e, com isto, também ajudou a prejudicar seus interesses.

Mas por quais motivos isto ocorreu? O que mudou entre 2012 e 2016, que causou mudanças no comportamento do voto popular?

A resposta é: nesse intervalo, a esquerda brasileira, destacadamente o PT, cometeu erros que alienaram parcelas importantes do povo. E que facilitaram os ataques da direita.

Portanto, raciocínios do tipo “povo ingrato” servem apenas para mascarar as responsabilidades da esquerda, destacadamente do PT.

E por falar em responsabilidades: o resultado da eleição mostra, mais uma vez, que a eventual adoção do voto facultativo não favorece a esquerda.

Mostra, também, que o financiamento empresarial privado continua presente nas disputas eleitorais. O que, associado ao oligopólio da mídia, prejudica enormemente as candidaturas populares.

Ponto 7

Isto posto, como avaliar a frase de um cientista político, publicada na edição de hoje de um jornal paulistano, segundo a qual o PT tem “diante de si a tarefa dificílima de reconquistar a posição de líder do campo da centro-esquerda”?

A resposta é: querem que reincidamos no erro.

Pois foi a busca de ser líder do “campo da centro-esquerda” que nos levou à sucessivas rodadas de moderação programática. E à sucessivas adaptações ao jeito tradicional de fazer política, que por sua vez levaram as derrotas dos últimos dias, semanas e meses.

Se o PT quiser “reconquistar” algo, deve ser a posição de líder do campo de esquerda, para o que precisa reconquistar a influência que perdeu na classe trabalhadora e nos setores populares.

A executiva e o diretório nacional do PT precisam reconhecer o tamanho da derrota. Convocar imediatamente um congresso plenipotenciário, para mudar a linha do Partido e para escolher uma nova direção.

É isto ou suportar os epitáfios.