Deu zebra no Museu do Rio

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Publicado sexta-feira, 22 de janeiro de 2016 as 19:19, por: CdB

Por Mário Magalhães, do Rio de Janeiro:

Não é aconselhável ver animais empalhados com crianças sensíveis
Não é aconselhável ver animais empalhados com crianças sensíveis

A Maria tinha uns três anos quando desabou em pranto no Museu Nacional, na visita à coleção de animais empalhados. “O que foi, filha?”, perguntei. Aos soluços, ela respondeu com outra pergunta: “Por que eles tinham que morrer?”

Não lembro se colou o meu papo sobre ciclo da vida. Sei que ela chorou até quase se desidratar. Poderia ter sido diferente se não passássemos antes pelo jardim zoológico, vizinho ao museu, na Quinta da Boa Vista. Separados por poucos passos, um recanto de bichos vivos e um de bichos mortos. Talvez naquele dia a Maria tenha descoberto o que é a morte.

Eu a apresentara ao zoológico por onde tantas vezes passeara com a minha mãe e o meu pai. E aonde tanto iria com os irmãos da Maria que ainda estavam por chegar. Acho que as crianças nunca repararam que quem mais se divertia não eram elas. Era eu, que nunca deixei de fazer careta para os macacos imitarem.

Nas últimas vezes, deu dó o abandono dos animais. Como encontrava o leão e o tigre dormindo ou bocejando, arrumei um apelido para preguiçosos irrecuperáveis (e humanos): bicho de zoológico. Uma injustiça, aprendi com os saudáveis hóspedes do zoo de San Diego, na Califórnia.

O do Rio não tem mais leão. Em idade provecta, o único que lá vivia adormeceu para sempre. A girafa Zagallo também, fulminada por uma comida que não superou a prova de obstáculos naquele pescoção. Complicações de coluna liquidaram a zebra.

“Deu zebra no zoo do Rio!”, estampou hoje o Meia Hora. Quem apareceu ontem no lugar sem zebra, leão e girafa surpreendeu-se com o imenso portão fechado. O Ibama interditou o zoológico de grades enferrujadas, bicharada magrela e água suja. A reprodução de espécies raras parou faz tempo. A última reforma acabou em 1993. O Extra bronqueou: “Que mico, prefeito!”

A cidade com caixa para erguer museu high-tech e ginásios esportivos de outra galáxia larga à própria sorte mais de 2.000 animais. Preguiçoso não é o tigre, mas quem o desampara. Preguiçoso e mau, pois é maldade machucar coração de criança. Criado na época do antigo zoológico, em Vila Isabel, o jogo do bicho permanece firme e forte, enquanto na Quinta meninas e meninos se entristecem.

Feito o chileno Santiago, de cinco anos, que queria conhecer araras como as do filme Rio. Voltará para casa frustrado. Nem todas as lembranças do zoológico serão felizes. (Publicado originalmente no seu blog).

Mário Magalhães, nasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. Recebeu mais de 20 prêmios. É autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.

Direto da Redação é um fórum de debates com jornalistas de opiniões diversas, editado pelo jornalista Rui Martins