Destino de Saddam deixa as vítimas de Basra angustiadas

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Publicado terça-feira, 8 de abril de 2003 as 14:29, por: CdB

“Daria minha vida por Saddam”, afirma, soluçando, Fatma num hospital de Basra (sul), onde sua perna esquerda foi amputada dois dias depois de um morteiro ter caído sobre sua casa, matando cinco pessoas de sua família.

A jovem de 22 anos acabara de saber que seu presidente pode ter morrido durante um bombardeio em Bagdá e não conseguiu conter as lágrimas.

“Não há outro como ele. Não acredito que esteja morto”, acrescenta, destacando que os únicos culpados de sua tragédia são “os britânicos e americanos que atacaram sua casa”.

Ao seu lado, uma mãe observa o sono de seu filho de dois anos, Hassem, ferido há quatro dias por um tanque em Abul Khassib, cidade próxima de Basra.

“Não acredito que Saddam está morto, ele sabe muito bem o que faz. Na última segunda-feira (7) nós o vimos na televisão. É uma mentira dos americanos”, ressalta.

O hospital Saddam Teaching de Basra, o maior da cidade com 450 leitos, recebeu dezenas de feridos nos últimos 15 dias. A situação é parecida nos outros quatro grandes hospitais da cidade, a segunda maior do país, atrás apenas de Bagdá.

“A princípio vieram de Umm Qasr e Safwan, depois de Al Zubair, de Nassiriya e finalmente da região de Basra”, explicou o cirurgião Muayad Jumah.

O centro médico só atende civis e o tratamento é gratuito durante a guerra.

“Aos milicianos só prestamos os primeiros socorros e depois os transferimos para um hospital militar”, insiste, explicando que, apesar das roupas comuns, é fácil reconhecer um combatente pela forma como ele chega ao hospital e pelo tipo de seus ferimentos.

No leito ao lado, a família de Zahar Abdel Hassen, 23 anos, se limita a esperar sua morte. O jovem fazendeiro foi atingido por um morteiro em Safwan (sul) no primeiro dia de batalhas. Suas duas pernas foram amputadas, os intestinos foram perfurados e ele sofreu um traumatismo craniano.

“Os americanos disseram que viriam para nos libertar, mas estamos apenas sofrendo, perdendo nossos filhos”, afirma, desesperado, o pai de Hassen.

As desgraças da guerra também afetaram os funcionários do hospital. Seu diretor, o médico Akram Hassan, muito conhecido na cidade, perdeu dez familiares quando uma bomba destruiu sua casa no último sábado (5).

No momento da tragédia o médico estava trabalhando no hospital, atendendo os feridos. Todo o hospital estava de luto esta terça-feira.

“Os Estados Unidos criaram Saddam, forneceram armas, o tornaram forte e se esqueceram de nós. Tanto faz se acabarem com ele agora, porque colocarão outro parecido no seu lugar”, afirma Fadila, uma das enfermeiras do centro médico.

No leito 54, na seção masculina do hospital, a discussão sobre a possível morte de Saddam Hussein provoca um debate sobre a necessidade de um sucessor iraquiano. “Temos líderes que se opõem a Saddam e poderiam sustituí-lo, mas que agora não desejam aparecer”, afirma Jumah.

Em poucos segundos a conversa fica mais ríspida.

“Era um ditador, por mim pode morrer”, afirma um morador de uma cidade próxima a Basra, que foi atingido pelos destroços de um projétil.

“Saddam é nosso líder e viverá para sempre!”, grita outro na cama ao lado.

“Cala a boca! Todos sabemos que você é do (partido) Baath”, no poder em Bagdá, responde o primeiro.

O médico Jumah consegue restabelecer a ordem no local.

“De qualquer maneira, qual a diferença entre Saddam vivo ou morto?. Isso não nos livra da ocupação que estamos sofrendo”, destaca.

Ao seu lado, os pacientes ouvem calados e pensativos.