Depois das exéquias

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Publicado terça-feira, 12 de abril de 2005 as 22:49, por: CdB

Os olhos do mundo começam a deixar a Praça de São Pedro, para retornar às realidades mais dolorosas do que a morte de um ser humano poderoso. Mais dolorosa, por exemplo, é a morte de anônimos trabalhadores, na Baixada Fluminense e em outras baixadas. Os que morreram no Rio foram pessoas indefesas, assassinadas a esmo, por matadores pagos pelo Estado, ou seja, por policiais, com armas e balas compradas com os recursos públicos, ou seja, com o dinheiro procedente dos impostos e taxas recolhidos do trabalho do povo.

Mesmo que não fossem inocentes, não poderiam ser mortas. Nos países em que a adotam, a pena de morte só é aplicada depois de julgamento, que nem sempre é justo. Em nosso país ninguém tem o direito de matar, a não ser nos casos estritos de defesa própria, previstos na legislação penal. Mas há também coisas mais vulgares, que devem ser administradas.

O presidente Lula continuou a viagem por terras africanas, no cumprimento de uma visita de Estado decidida há tempos. Espera-se que, nesse périplo, possa pensar um pouco mais no Brasil que o aguarda. Novos documentos, divulgados neste fim de semana, tornam ainda mais inquietante, para a cidadania, a escolha de uma pessoa sub-judice, acusada de peculato, para ocupar o Ministério da Previdência Social. Nenhum suspeito, com tais indícios, mesmo que seja inocente, pode ocupar um ministério sem comprometer a sua pasta. Sua nomeação é politicamente um erro, porque, ao faltar-lhe credibilidade, retirará parcelas de credibilidade do governo como um todo.

Trata-se, conforme o antigo léxico político britânico, de uma rotten apple, capaz de apodrecer todo o cesto de frutas, sobretudo porque nem todas, no caso em pauta, têm o viço da pureza. Anote-se que o procurador-geral da República deu um prazo de alguns dias para que o candidato a ministro dê suas explicações. Dizia Tancredo que em política todas as explicações são danosas. Quando alguém tem que explicar qualquer coisa, é melhor que não a explique. É melhor que peça o seu chapéu.

Além do aspecto ético, há outros erros na escolha. Roraima é um Estado de história recente, e de frágil influência no conjunto político nacional. Sua representação parlamentar, superdimensionada em proporção ao número de eleitores, é ainda assim pequena e de pouca importância na Câmara Federal. É um dos antigos territórios, prematuramente transformados em Estados, sem que houvesse sido sedimentada, ali, razoável cultura política que permitisse a mudança. Por isso, nesses novos Estados, são repetidos os casos de corrupção política associada à criminalidade.

Sendo assim, em que o Sr. Romero Jucá pode contribuir para a governabilidade? Como poderá assegurar maioria parlamentar ao governo, nesta fase de explícita rebeldia da Câmara? Argumentam os defensores da nomeação que Jucá irá facilitar o apoio do PMDB ao projeto de reeleição de Lula. Não se sabe se os governadores do partido foram ouvidos a respeito. O senador Pedro Simon nega que Jucá seja candidato do PMDB ao ministério, e outros dirigentes do partido se esquivam dessa responsabilidade.

Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, “Mar Negro” (2002).