Cultura nas eleições de 2022

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Publicado terça-feira, 14 de junho de 2022 as 09:10, por: CdB

Ocorre que cultura, se não é entendida como eixo irrecusável do desenvolvimento nacional, vira enfeite. Rola nas bocas como bala edulcorada (Estou até parecendo Cruz e Souza), visita os textos como convidada de honra, mas, na hora de partir o bolo, a pobre fica com uma fatiazinha minguada e dois brigadeirinhos.

Por Elder Vieira – de Brasília

Ano de eleição, todos os setores da vida nacional entram em campo para garantir o seu quinhão. (Perdoem a rima involuntária. O gramático chamará de eco).

Festival Caboco da Mata

Candidatos ao executivo constroem suas plataformas. Via de regra, escrevem um preâmbulo. Depois, caem de boca na segmentação. Dentre os capítulos, lá está a cultura. A gente se detém com interesse no texto. Constata mais uma vez, todavia, que a pobre aparece desconectada do todo. Quando muito, ligada a ele por fios frágeis. (Perdoem a aliteração).

Ocorre que cultura, se não é entendida como eixo irrecusável do desenvolvimento nacional, vira enfeite. Rola nas bocas como bala edulcorada (Estou até parecendo Cruz e Souza), visita os textos como convidada de honra, mas, na hora de partir o bolo, a pobre fica com uma fatiazinha minguada e dois brigadeirinhos. Nem refrigerante ganha.

Há quem acredite e aposte na falácia de elencar uma profusão de tópicos dissociados na perspectiva da cultura como direito social. Cultura é, sim, direito social, previsto na Constituição inclusive. O acesso aos meios de fruição cultural é assunto de primeira grandeza, bem como aos meios de produzir e distribuir cultura. Mas a questão é: como garantir acesso?

Apressados dirão o óbvio: dinheiro. E, de fato, a questão do financiamento da cultura é tema sensível, por estratégico que é. Nas Conferências Nacionais de Cultura realizadas, a bandeira dos 2% era a campeã. No mínimo dois de cada cem reais do orçamento investido em cultura economizariam seis da saúde e outros seis da segurança pública. Garantiria o funcionamento, ainda que a meio pano, do Sistema Nacional de Cultura, e financiaria o desenvolvimento e execução de inúmeros projetos.

Vejam que a meta é acanhada, se comparada à presença da cultura na composição do Produto Interno Bruto do País: entre 2,5% e 4%, a depender do critério de mensuração. Há quem garanta ser 5%. Se consideramos, além da geração de riqueza direta das cadeias criativas de cultura, a das empresas que produzem equipamentos e materiais subsidiários ao setor (papel, tinta para impressão, televisores, computadores, celulares, entre tantos), o peso específico da cultura é capaz de dobrar.

Como um setor que tem uma participação dessas na geração de riquezas recebe tão pouco dos orçamentos públicos?

Seriam muitas as razões, mas uma sobrai-se: a perspectiva privatista das classes dominantes brasileiras, caudatárias das que dominam os Estados Unidos e a Europa. (Não é necessário ir longe para perceber a relação entre imperialismo, subserviência e privatização da gestão cultural, não é?).

Essa concepção privatista de cultura ganhou relevância ao neoliberalismo abancar-se no comando da República. A partir deste momento, incentivo fiscal virou sinônimo de política de Estado, e, com a Reforma Bresser-Pereira, a gestão pública do setor passou para a mão das Organizações Sociais.

Desregramento do mercado

Duas formas de entregar ao desregramento do mercado um dos mais rentáveis e dinâmicos setores da vida e da economia nacional: programa de incentivo fiscal e gestão compartilhada com pessoas jurídicas de direito privado. O mercado escolhe o que vai para a cesta cultural do brasileiro, e como vai.

Não há com o que se espantar: a lógica privatista aposta no “livre mercado”. Os realizadores que lutem. A seleção do bom e do melhor fica a critério de um suposto todo-poderoso consumidor.

Well… isso não é verdade, como todos sabemos. Em mercado oligopolizado, onde um punhado de famílias controlam as comunicações e o capital estrangeiro manda em plataformas, produção de suportes, distribuição de conteúdos… bem… não há livre mercado. Há dominação – estrangeira e de classe. Esse, o legado do neoliberalismo, tanto na cultura, como em tudo. A pandemia e o miliciano da rachadinha estão aí para não nos deixar mentir: a cultura, diante destas duas hecatombes, mostrou sua vulnerabilidade, em que pese toda sua resiliência.

A essa altura da conversa, fica evidente que o Brasil precisa se livrar da lógica privatista, e, em seu lugar, adotar uma lógica pública para a gestão de sua cultura. Nesta lógica, o Estado Nacional ocupa o centro da arena, tendo o desenvolvimento soberano do país por bandeira e a cultura como um de seus principais esteios.

Fará diferença, nestas eleições e na condução de qualquer Executivo, aquele que acoplar cultura e projeto nacional soberano. É somente como parte irrecusável de um projeto assim que a cultura, parte irrecusável da Nação, tem chance de ser o que é e ser tudo aquilo que nasceu para ser. (Perdoem a repetição).

 

Elder Vieira, é escritor, autor de Os Anos Verdes de Lindaura (e-book, Editora Serra Azul), gestor e servidor público. É militante comunista desde 1983.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

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