Conflito distributivo e luta de classes

Arquivado em: Arquivo CDB
Publicado segunda-feira, 15 de junho de 2015 as 09:54, por: CdB

Chegamos a um momento de conflito distributivo que desafia o regime conciliatório então vigente, em que todos os setores ganham.

Rep/WebA natureza do capitalismo mundial, que alterna ciclos de expansão e retração, é um componente importante, senão decisivo, na determinação das economias nacionais.  

Lula governou o Brasil a partir de 2003 herdando uma situação interna lastimável, porém numa conjuntura internacional que apresentava expectativas favoráveis.  

O desajuste neoliberal capitaneado pelo PSDB havia deixado o país destroçado ao final de 2002: desemprego em 13%, juros a 23%, economia paralisada, restrição energética, nível ridículo de investimentos, desmonte de políticas sociais, quase 50 milhões de pessoas na indigência, na miséria e passando fome.  

A economia mundial, com a força de empuxe da China, projetou um cenário alentador, em razão principalmente dos preços dos minérios, petróleo e alimentos e à expansão das correntes de comércio do Brasil no mundo.  

Já Dilma, inversamente, começou seu primeiro mandato herdando uma situação interna bastante favorável, porém num contexto externo muito adverso. A situação econômica mundial que em 2010 era grave, piorou severamente, exaurindo a capacidade de resposta das políticas contracíclicas adotadas pelo governo para preservar empregos, salários e crescimento. Além da queda dos preços das commodities, sobreveio a crise hídrica, que impactou fortemente no custo da geração elétrica e na inflação.  

Chegamos a um momento de conflito distributivo que desafia o regime conciliatório então vigente, em que todos os setores ganham – o regime baseado na premissa de que é possível melhorar a vida dos pobres sem tirar dos ricos (na prática, deixando os ricos ainda mais ricos, sem diminuir a concentração de renda).  

Na política, já atingimos o fundo do poço e convivemos com o esgotamento do modelo de governabilidade congressual fundada em coalizões esdrúxulas e sem consistência ideológica e identidade programática. Agora este conflito distributivo coloca em xeque o regime econômico apoiado na conciliação de classes com a preservação de privilégios históricos da classe dominante e dos rentistas. 

De acordo com Martin Wolf, colunista do Financial Times, é provável que ocorram novas turbulências financeiras nos países centrais do capitalismo, provocando efeitos ainda mais graves que a crise iniciada em 2007.

Segundo o conceituado economista liberal, estão reunidas as condições para a provável nova catástrofe financeira: “o setor financeiro é, em aspectos fundamentais, igual àquele que causou a crise”, os investimentos no mundo são acanhados e o endividamento dos países ricos é altíssimo (Valor, 12/06/2015). A dívida dos EUA sozinha supera os US$ 17 trilhões! – três vezes o PIB somado de todos os países da América Latina e Caribe.

É plausível, portanto, o risco de uma sinergia deletéria entre a crise mundial que poderá se agravar e as consideráveis dificuldades da economia brasileira. A questão fundamental, neste sentido, é saber como a conta será distribuída e quem deve pagá-la.

Crises são cíclicas no capitalismo, e são enfrentadas de maneiras distintas. O axioma neoliberal postula medidas que sacrificam os trabalhadores e os segmentos menos favorecidos. A receita consiste em eliminar direitos, provocar recessão, gerar desemprego, diminuir o valor dos salários, atacar os créditos públicos e criar novas fontes de acumulação do capital – deixando intocáveis os intocáveis.

Nos lugares onde a opção foi a austeridade, agravaram-se o sofrimento do povo e os danos às economias. A Grécia, a Espanha, a Itália e Portugal, por exemplo, levarão muito mais tempo para se reerguer e com sacrifícios ainda maiores.

Neste ambiente de conflito distributivo, crise econômica e restrições fiscais no Brasil, a agenda reacionária em relação a valores e costumes – homofobia, maioridade penal da juventude, financiamento empresarial de campanhas, reforço da caducidade do sistema judiciário etc – eclipsa a agenda estratégica em disputa: o conteúdo de indústria nacional, o valor dos salários, o regime de partilha do pré-sal, os tratados de livre comércio.

Acabou a época do “ganha-ganha”. Estamos num estágio de fadiga tanto do modelo de governabilidade congressual como do regime econômico de conciliação. Ambos – modelo de governabilidade e regime conciliador – encontram-se numa encruzilhada; e os destinos do país também. A hiperpolarização ideológica indica o padrão e a dinâmica da luta de classes no Brasil.

Jeferson Miola, é integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.