Comando do Congresso é um escárnio às manifestações de 2013

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Publicado quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015 as 09:27, por: CdB

As eleições de Cunha, Renan e de ambas as mesas da Câmara e do Senado representam o anticlímax das manifestações de junho de 2013.

Rep/Web

 

Na abertura dos trabalhos legislativos de 2015, Renan Calheiros fez questão de tecer loas ao seu correligionário, Eduardo Cunha, eleito presidente da Câmara dos Deputados.

Fez mais. Teceu loas às manifestações de 2013, que tomaram as ruas e demonstraram uma profunda e arraigada decepção, até ódio, que muitas pessoas têm nutrido em relação à política e aos partidos.

“A sociedade está atenta”, disse o presidente do Senado e do Congresso, não em homenagem, mas em escárnio aos que foram às ruas.

As eleições de Cunha, Renan e de ambas as mesas da Câmara e do Senado representam o anticlímax das manifestações de junho de 2013.

São a culminância de um processo em que a direita radicalizou-se e a esquerda despolitizou-se, a ponto de a expressão mais evidente e intimidadora da revolta não ter vindo de um partido ou um movimento social organizado, mas dos black blocs.

Os profissionais

A eleição de Eduardo Cunha causou frisson e foi saudada por alguns por ter sido uma derrota política do governo e, particularmente, uma derrota pessoal da presidenta Dilma Rousseff.

O regozijo é parecido ao causado quando a Câmara elegeu Severino Cavalcanti, em 2005.

Aos que abominam Cunha resta agora torcer para que suas práticas políticas tenham a mesma sorte que a de Cavalcanti, empossado presidente em fevereiro e obrigado a renunciar em Setembro de 2005, às vésperas da primavera, por conta de um escândalo.

Dizem alguns que Eduardo Cunha conseguiu chegar %u20Ba%u20Bonde chegou porque agia nas sombras, longe dos holofotes. Agora, na mais absoluta evidência, suas práticas ficarão mais expostas, mais explícitas – tal como foi com Severino Cavalcanti.

Todavia, enquanto Cavalcanti era um amador, Cunha é um profissional.

Quando conseguiu ser eleito, Cavalcanti já era um ponto fora da curva de uma política teimosa em desaparecer, mas que tinha dificuldades para galgar degraus muito altos.

Cunha, eleito em primeiro turno com uma maioria acachapante, mostrou que não é um só, nem é apenas o PMDB unido. Ele mostrou o quanto é a cara do “novo” Congresso.

Cavalcanti era um personagem menor, um coadjuvante, um membro do baixo clero. Cunha é um protagonista, um bispo.

O escândalo que derrubou Severino Cavalcanti mostrava a desfaçatez e também o amadorismo de alguém que já não representava bem o Congresso e seus interesses maiores.

A eleição de Cunha mostra o quanto a política tradicional ficou para trás, submetida ao domínio dos profissionais da política de negócios, especializada na intermediação de grandes interesses que, sem qualquer pudor, pretendem se transformar na agenda prioritária do país.

O “novo” Congresso

Muitos enfatizam que Cunha foi eleito com a promessa de ampliar os gabinetes, construir um novo anexo, estimular a formação de blocos parlamentares, com novos cargos e gastos. Bobagem, mesmo que fato. Não foi isso que decidiu a eleição a favor de Cunha.

O presidente eleito da Câmara representa um Congresso mais endinheirado do que nunca e mais faminto do que nunca por gerar oportunidades para o setor privado que sejam financiadas pelo setor público.

Um Congresso ainda mais fechado em copas, se lixando para a opinião pública, como disse um parlamentar, não faz muito tempo.

Ainda assim, um Congresso com políticos orientados empresarialmente e com grande suporte midiático para transformar seus próprios interesses em uma agenda supostamente de toda a opinião pública.

Cunha foi eleito por ter articulado uma rede de parlamentares que representam ou mesmo lideram interesses capitalistas que precisam desmontar ou remontar a regulamentação de muitos pontos de atuação do Estado nacional.

%u20B%u20BO jogo é muito mais bruto e combinado. O papel a ser desempenhado pelo presidente da Câmara é muito maior e mais grave do que o de um chefe de severinos.

 

Antonio Lassance, é cientista político.