Chile recomeça processo para mudar Constituição de Pinochet

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Publicado terça-feira, 7 de março de 2023 as 11:44, por: CdB

É a segunda tentativa para elaborar uma nova Carta Magna, após os distúrbios sociais de 2019 e um projeto rejeitado em 2022. Desta vez, partidos estão mais envolvidos e modelo busca favorecer consensos.

Por Redação, com DW – de Santiago

Após uma primeira tentativa fracassada, o Chile recomeça formalmente na segunda-feira o processo para redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual Constituição, elaborada em 1980 durante a ditadura de Augusto Pinochet.

Superar a Constituição de 1980, redigida durante a ditadura de Pinochet, é o que mais interessa para a maioria dos chilenos

Nesta segunda, o comitê de especialistas reúne-se para formar a mesa diretora que conduzirá os trabalhos. Na quarta-feira, começa a elaboração do anteprojeto.

O processo de criação de uma nova Constituição começou no Chile após os distúrbios sociais de outubro de 2019, que ficaram conhecidos como estallido. Naquela época, a formação de uma Assembleia Constituinte que redigisse uma nova Carta Magna foi a saída encontrada para acalmar uma revolta social histórica no país.

Mas o projeto de texto foi amplamente rejeitado na votação de 4 de setembro de 2022. Nele, foram abordados temas como plurinacionalidade, legalidade do aborto, proteção ambiental e um conjunto de outras reivindicações que geraram polêmica e culminaram com o fracasso da primeira tentativa de enterrar a atual Constituição, que consagra o sistema neoliberal.

Após o fiasco, as forças políticas do Chile concordaram em reiniciar o processo, com o entendimento de que, mesmo com a rejeição do primeiro projeto, continuariam trabalhando em uma nova Constituição. Esse pacto estabeleceu a criação de um comitê de especialistas, composto por 24 membros (12 homens e 12 mulheres) indicados pelas forças políticas presentes tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.

O grupo conjunto de especialistas é formado, na grande maioria, por juristas com idades de 36 a 75 anos. A eles cabe a redação de um anteprojeto, sobre o qual trabalhará o conselho constitucional, que contará com 50 representantes (com paridade entre homens e mulheres e com representação indígena) que serão eleitos pelos cidadãos em uma votação no dia 7 de maio.

O conselho constitucional começará os trabalhos em 7 de junho e deverá entregar em novembro o projeto da nova Constituição, que será submetido a um novo plebiscito em dezembro.

Além dos especialistas designados, o Legislativo também nomeou 14 árbitros, no que foi chamado de comitê técnico de admissibilidade. Eles farão a mediação quando não houver consenso no processo de redação.

Falta de interesse dos cidadãos

As diferenças deste segundo processo em relação ao primeiro são evidentes, principalmente no que diz respeito à participação de políticos. A primeira tentativa decidiu deixar tudo nas mãos dos cidadãos e se inclinou para os independentes de esquerda, enquanto agora os partidos estão no centro das atenções.

– É difícil dizer se os atores políticos têm se saído bem ou mal neste segundo processo. Nesse sentido, acredito que a questão dos especialistas põe um pouco em risco o novo processo porque, ao serem eleitos pelo Parlamento, optou-se por uma representatividade indireta – disse Cristóbal Bellolio, doutor em filosofia política pela University College London, à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW).

Por isso, nesta fase, os cidadãos não têm demonstrado muito interesse. De fato, em algumas pesquisas como a do Pulso Ciudadano, o desinteresse por essa segunda tentativa supera os 50%.

– Vai ser difícil as pessoas se entusiasmarem com esse novo processo porque o veem como algo dos políticos. Até os especialistas são identificados politicamente. Então, é difícil para mim acreditar que as pessoas tenham confiança em um processo dirigido e protagonizado pela mesma classe política que dizem odiar. Será preciso ver se os membros que forem escolhidos para o conselho (constitucional) conseguirão mudar essa percepção – aponta Bellolio.

Francisco Soto, advogado e membro do comitê de especialistas, diz que está atento ao sentimento dos cidadãos. 

– Esta fórmula, evidentemente, não é vista como uma legitimidade originária, e obriga-nos a construir uma legitimidade de exercício, que seja baseada em uma proposta que consiga gerar um grande consenso, que seja validada por um órgão representativo e acabe aprovada em plebiscito – diz.

Receita para o sucesso

Embora não esteja claro como garantir o sucesso do processo, é possível aprender com o que aconteceu com a primeira tentativa. Bellolio aponta que, agora, deve haver uma consciência de que fazer uma Constituição não é “um jogo que se tem de ganhar, mas um jogo que tem de refletir o mais amplo acordo possível, e isso significa que não pode ser sectário ou partidário”.

– As constituições têm que ser feitas pensando no que os países são. É fundamental que seja o acordo básico de uma sociedade politicamente diversa. Você não precisa embandeirar a Constituição, acho que esse foi o grande erro da Constituição de Pinochet. A esquerda durante anos alegou, e com razão, que era uma Constituição que impedia outro setor de cumprir seu programa ao governar, e bem, quando a esquerda teve maioria, fez exatamente o mesmo – acrescenta.

No mesmo sentido, Francisco Soto explica que “as constituições podem ser escritas de duas formas: por imposição ou por identificação de pontos de encontro entre os diferentes grupos, que façam sentido para os cidadãos”.

Para o representante do progressista Partido para a Democracia (PPD), é claro que “nossa tarefa será identificar pontos de encontro e que possam articular um texto que dê sentido aos incrédulos até agora”.

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