Brasil assume força da ONU no Haiti

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Publicado sexta-feira, 25 de junho de 2004 as 21:43, por: CdB

Uma força da ONU liderada pelo Brasil substituiu na sexta-feira o contingente militar comandado pelos EUA que há quatro meses patrulhava o Haiti. Soldados canadenses e chilenos trocaram capacetes e bonés camufladas pelas boinas azuis da ONU, e um gaita de fole marcou a cerimônia de transferência do comando em Porto Príncipe. “Nossa missão está completa”, disse o general dos Marines norte-americanos Ronald Coleman.

Muitos haitianos estavam ansiosos para que os nervosos marines sejam substituídos pelos brasileiros – com quem compartilham a paixão pelo futebol. Os desafios dos militares do Brasil, porém, são enormes, segundo entidades de direitos humanos e analistas.

A força liderada pelos EUA, que incluía também canadenses, chilenos e franceses, tinha como missão controlar a violência no Haiti, onde em fevereiro uma rebelião armada levou à fuga do presidente Jean-Bertrand Aristide.

Os chilenos vão permanecer no país sob o comando do Brasil, e a força da ONU vai receber também reforço da Argentina. No total, serão 6.700 soldados e 1.622 policiais, com mandato para preparar o país para as eleições de 2005.

O Canadá vai abandonar o país, mas deixará tripulações de helicópteros até a chegada de chilenos que as substituam. A França também está embarcando de volta para casa.

O primeiro-ministro interino do Haiti, Gerard Latortue, disse na cerimônia que a lei e a ordem são “pré-requisitos” para as eleições.

Embora os marines dos EUA tenham estabelecido medidas de segurança na capital, os rebeldes ainda controlam grande parte do país, fazendo justiça com as próprias mãos. “Nossa missão mais difícil será o desarmamento”, disse o general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira. “É uma missão de longo prazo, é uma missão que depende da Polícia Nacional do Haiti, depende das autoridades haitianas, e vamos depender também do apoio da população, mas não à força”.

Cerca de 3.000 condenados que fugiram das prisões durante a revolta terão de ser recapturados, e a polícia, mal treinada, precisará lidar com a atual onda de criminalidade. Entidades de direitos humanos dizem que a tropa da ONU terá de incentivar o governo interino e ser equilibrado na aplicação da justiça. Nomeado por um conselho de haitianos ilustres, o governo de Latortue prendeu seguidores de Aristide e do seu partido, o Família Lavalas, acusando-os de corrupção, homicídio e outros crimes.

Mas pouco se fez desde então contra membros de antigos regimes militares, acusados de abusos, que participaram da revolta. “O governo interino do Haiti está se atolando: após cem dias no poder, ainda não há sinais do programa de desarmamento, urgentemente necessário, ou de qualquer tentativa real de prender prisioneiros fugitivos e notórios violadores dos direitos humanos”, disse a Anistia Internacional.

Daniel Erikson, especialista em Haiti na entidade Diálogo Interamericano, dos EUA, acha que o sucesso da missão fica mais improvável por causa da partida do contingente norte-americano. “O Haiti acaba caindo sob a influência dos Estados Unidos. A não ser que haja liderança dos EUA, é difícil para outros países terem algum impacto”, afirmou. “O Haiti acaba sendo uma responsabilidade que ninguém quer assumir – nem os EUA, nem a ONU, nem realmente a América Latina, nem a França, nem o Canadá”.