Bolsonaro merece a Medalha do Genocídio Indígena

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Publicado domingo, 20 de março de 2022 as 14:59, por: CdB

Quando recebi, faz alguns dias, a informação de que Bolsonaro, seu ministro da Justiça e mais outros cupinchas se autoconcediam a Medalha do Mérito Indigenista, achei ser uma fake news indigesta. Não era possível terem esse descaramento ignóbil, essa torpeza, essa imoralidade, essa falta de dignidade. Não acreditei, mas vi no dia seguinte ter sido verdade. Estão rindo da cara dos índios, logo eles os responsáveis  pela destruição das florestas, pela invasão de aldeias pelos ruralistas e garimpeiros e pelo extermínio da cultura indígena? Leiam o texto que José Bessa Freire publicou lá em Manaus, contra esses pilantras mentirosos semvergonhas empenhados em destruir o Brasil. E fica aqui uma proposta, vamos propor pelas redes sociais que se conceda ao presidente, já que ele gosta de medalhas, a Medalha do Genocídio Indígena? (Rui Martins)

Por José Bessa Freire
Bem merecida a Medalha de Genocida que se autoconcedeu Bolsonaro

“Não entendo quem escolhe o caminho do crime, quando há tantas maneiras legais

 de ser desonesto” (Alphonse Gabriel, precursor e inspirador do Centrão).

Seus avós italianos, que nasceram perto de Nápoles, atravessaram o Oceano Atlântico para viver nessas bandas de cá do continente. O pai – um honesto vendedor de verduras – jamais imaginaria que seu filho enriqueceria ilicitamente com recursos públicos de “rachadinhas” e que, para escapar à prisão, subornaria juízes, policiais e políticos. Ou que fingiria ser benfeitor dos pobres para limpar a imagem sebosa manchada por armas, crimes e associação com milícias. Nem que um dia seria esfaqueado em praça pública.

A facada foi na barriga? Não. Foi na cara de Alphonse Gabriel Capone, gangster histórico, que ficou com três cicatrizes, daí o apelido de Al Scarface Capone. Na Grande Depressão de 1929, ele enganou os trouxas, distribuindo sopa gratuita a desempregados. Condenado a onze anos de prisão, não pelos homicídios que praticou, mas pela “rachadinha” – a “tax evasion” dos EUA, foi solto antes de cumprir a totalidade da pena, acometido de demência e de sífilis, que não tratou por ser contra injeções. Já não falava coisa com coisa.

O reverso da medalha: flores no velório dos índios

Vários filmes registraram os assassinatos cometidos por Al Capone, um deles interpretado por Robert de Niro, o outro por Al Pacino. O mafioso, que matou pessoalmente seus desafetos ou mandou fuzilá-los, cometeu um crime ainda mais ultrajante: enviava coroas de flores aos velórios de suas vítimas “para debochar e rir da impunidade, mas também para suscitar dúvidas nos familiares sobre aquilo que toda a sociedade sabia: ele era o assassino, o mandante do crime” – segundo o escritor Eduardo Galeano.

Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real do Brasil atual será mera coincidência? A resposta pode ser encontrada nas Medalhas do Mérito Indigenista autoconcedidas pelo ministro da Justiça Anderson Torres, na quarta-feira (16), a si mesmo, a seu chefe e a seus colegas.

Reverso da medalha 

Os auto agraciados com a medalha foram Jair Bolsonaro (PL – vixe) e mais nove ministros, três deles generais espertalhões e vorazes: Braga Netto, Luiz E. Ramos e Augusto Heleno – aquele que “gritava pega Centrão”; o ex-oficial do Exército Tarcísio de Freitas (Infraestrutura); o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier (Funai); o coronel Aginaldo de Oliveira (Força Nacional) e o civil Marcelo Queiroga (Saúde), que vai pendurar a medalha na camiseta militar que sempre usa. Todos gente finíssima e sem-vergonha.

A medalha concedida – segundo o Diário Oficial – é um “reconhecimento pelos serviços relevantes em caráter altruísticos, relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”. Concedê-la a inimigos dos índios é deboche, escárnio, tentativa de colocar dúvidas naquilo que a parte sadia da sociedade brasileira já sabe, porque conhece a folha corrida de agressões aos direitos indígenas praticados por eles. Essas medalhas são como as flores enviadas ao velório dos índios por seus algozes.

Por isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que vai contestar na Justiça a afronta, propôs trocar a Medalha do Mérito pela Medalha do Genocídio como reconhecimento da necropolítica, que incentiva o garimpo a invadir as terras indígenas e que vetou, em plena pandemia, a distribuição de água potável às aldeias, cujos rios foram contaminados e emporcalhados pela mineração. A APIB, coordenada por Sônia Guajajara, já denunciou Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional de Haia.

Com a cumplicidade de Arthur Lira e do Centrão, que “conhece as formas legais de ser desonesto”, Bolsonaro montou a farsa de usar a guerra da Ucrânia para exigir celeridade na aprovação da mineração em terra indígena. Dessa forma – quem sabe? – nem será preciso usar a incompetente cavalaria brasileira “para exterminar os índios, como fez a cavalaria americana”, conforme seu discurso em 16 de abril de 1998 na Câmara dos Deputados.

Nós e Eles

A cerimônia de entrega da Medalha ocorrida na sexta (18) no Palácio da Justiça não foi aberta à imprensa, nem constou na agenda oficial do presidente da República, mas fotos dele, em campanha pela reeleição, com um cocar colorido na cabeça e outra com uma curumim no colo, foi liberada pela Agência Brasil. Numa prova de que a patifaria não tem limites, Bolsonaro confirmou em discurso sua intenção criminosa de se apresentar como modelo para os índios:

– “Queremos que vocês façam em suas terras exatamente o que nós fazemos na nossa” – ele disse, sem detalhar o que é “que nós fazemos”: desmatamento, queimadas, morte dos rios, assassinato de Marielle, “rachadinhas”, expansão das milícias. “O que sempre quisemos foi fazer com que vocês se sentissem exatamente como nós” – prosseguiu, sem especificar que o “nós” é “ele” e sem citar a homofobia, o racismo, o preconceito, a discriminação, a “vacina que causa Aids” e a cloroquina que salva.

As organizações indígenas, que respeitam a Mãe Terra, foram unânimes em manifestar que não querem seguir o “nosso” mau exemplo. Além da APIB, a COIAB – Coordenação das Organização Indígenas da Amazônia Brasileira, a FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, o MUPOIBA – Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia e tantas outras repudiaram a cerimônia de entrega da medalha.

Da cerimônia, não participaram três fardados: o militar inativo da Marinha Jussielson Silva, coordenador da FUNAI (MT), o sargento da PM Gerrard Souza e o ex-PM Enoque Souza, acusados do crime de arrendar em benefício próprio as terras indígenas a produtores rurais. Foram presos um dia antes na Operação Res Capta por aquele setor republicano da Polícia Federal que ainda resiste à intervenção na instituição. Ah, ausente também o subtenente da PM, Fabricio Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro! Cadê o Queiroz?

Flechada no peito

A condecoração da Medalha do Mérito Indigenista foi instituída em 1972 para homenagear pessoas que se destacam pelos trabalhos em defesa dos direitos, das culturas, das línguas e das terras dos povos indígenas, como são os casos de Darci Ribeiro, Tomás Balduíno, Pedro Casaldaliga, Raoni e do sertanista Sydney Possuelo, 81 anos, que recebeu a honraria há 35 anos e que agora devolveu a medalha dentro do estojo, acompanhada do PIN, do broche e da cópia do diploma, por recusar a companhia daqueles que se autoconcederam a honraria sem merecê-la.

Possuelo já presidiu a Funai, organizou expedições para proteger povos isolados e demarcou o território Yanomami. Na carta entregue ao desmoralizado ministro da Justiça, ele condenou históricas “atrocidades cometidas por representantes de sociedades que se acreditam civilizadas” e manifestou seu “espanto” com a condecoração a Bolsonaro que, entre outros danos graves, “ofende a memória do marechal Rondon”. Dessa forma, lavou a alma de todos nós, invalidou as medalhas, jogando-as na lata do lixo e deixou os emerdalhados do tamanho que são: diminutos.

Foi o que dissemos na entrevista sobre o tema ao jornalista Anderson Gomes, no Programa Faixa Livre da Rádio Band / RJ, nesta quinta-feira (17). Um ouvinte comentou que a provocação do Ministério das Justiça constituía uma “flechada no peito” de todos nós, por naturalizar condutas criminosas e manipular a memória coletiva, criando uma “heroicidade” estampada numa medalha agora desqualificada por quem a ganhou por reconhecidos méritos.

O cinismo de Al Capone parece continuar depois de morto. Em sua lápide está escrito: “My Jesus, Mercy” (Misericórdia, meu Jesus). Ele pede a Deus aquilo que não concedeu em vida aos outros. Quando chegar a hora, o que será escrito no túmulo do brasileiro Al Belly Cut  e de seus asseclas? O que eles farão com as medalhas que se autoconcederam? Quem deles se lembrará? Será que o Brasil despertará do pesadelo? (Publicado originalmente no blog Taquiprati, em Manaus, no Amazonas)

José Bessa Freire, jornalista, escritor, editor do blog Taquiprati.

Direto da Redação é um fórum de debates publicado no Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.

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