Bicudo e a desmistificação da revolta seletiva

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Publicado terça-feira, 10 de junho de 2014 as 16:00, por: CdB
Depois de ter apoiado Serra em 2010, o jurista Bicudo passou a ser catalogado como reacionário
Depois de ter apoiado Serra em 2010, o jurista Bicudo passou a ser catalogado como reacionário

Em 2010, entrevistei, por telefone, o consagrado jurista Hélio Pereira Bicudo. Foi o início de uma série de entrevistas com pessoas que lutaram contra a ditadura. Agora, em 2014, tive oportunidade de conhecer pessoalmente o Dr. Bicudo e gostaria de aproveitar este espaço para desfazer a imagem que tentaram construir dele após ele ter tomado a decisão de apoiar a candidatura de José Serra, no segundo turno das eleições de 2010.

Depois de virar mito por seu destemor em tempos de arbítrio, ao enfrentar o Esquadrão da Morte, liderado pelo temido delegado Fleury, Bicudo poderia manter-se cômodo. Mas optou por colocar sua biografia à tapa em nome da ética em que acredita. Isso, porém, nem de longe, o transformou no homem rancoroso que certos vídeos que circulam pela internet, mal recortados e mal revoltados, tentam fazer crer. É, sim, um homem desiludido com o partido que ajudou a fundar, mas não só com este partido como os histéricos de salão. É, acima de tudo, um homem que continua sonhando.

Depois do apoio a Serra em 2010, a mídia e os revoltados seletivos tentaram transformar Bicudo num reacionário. A vida real os desmente. Ele quer a Reforma Agrária, ele não quer o caos para o seu país. Ele chama o STF de “Tribunal Político” e lamenta que a maioria dos magistrados “não entende nada de Direito”.

O homem por trás do mito é um doce, que aos 92 anos corre dois kms por dia, demonstrando vigor, lucidez, disposição e simpatia. A jabuticabeira que ele mantém em seu apartamento é responsável por dar frutos que lhe adoçam ainda mais a vida. Fiquei duas horas conversando com ele e ficaria por dias.

“Em quem votar?”, perguntou-se Bicudo referindo-se às eleições presidenciais de 2014. Ele mesmo respondeu. “Não vejo em quem…” Mas prosseguiu: “para governador de São Paulo está ainda mais difícil, porque o que está aí vai ganhar de novo”. Perguntei, então, por que ele achava que Alckmin se reelegeria. “Ah, minha jovem, isso aqui é o estado mais conservador do Brasil, tem uma elite reacionária que é de doer”, lastimou.

Entre lástimas e sorrisos de um homem que carrega a história em si, mas vive o presente com paixão, a lição que tiro é que há esperança. E que o caminho para lutar contra a corrupção é seguir o exemplo de Bicudo. Apostar nos Direitos Humanos, mesmo num país que não aposta neles. “Dizem que quem luta por Direitos Humanos defende bandido. Defender bandido dá dinheiro. Direitos Humanos não”, disparou.

Ana Helena Tavares, jornalista, conhecida por seu site de jornalismo político Quem tem medo da democracia?, com artigos publicados no Observatório da Imprensa e na extinta revista eletrônica Médio Paraíba. Foi assessora de imprensa e repórter dos Sindicatos dos Policiais Civis e dos Vigilantes. Universitária, entrevistou numerosas pessoas que resistiram à ditadura e seus relatos (alguns publicados na Carta Capital e Brasil de Fato serão publicados brevemente num livro.