Li esta semana, por acaso, uma afirmação do bispo Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus, do Rio de Janeiro, de que não acredita na Teoria da Evolução das Espécies, de Charles Darwin, “porque não passa de uma teoria”
Segundo Crivella, como “teoria”, a evolução das espécies não tem o “consenso da comunidade científica”.
O nobre prelado demonstra, numa só frase, ignorar o que seja teoria e o que seja comunidade científica.
Teoria não é sinônimo de hipótese. Teoria é mais: é um estudo ainda em prosseguimento mas baseado em fatos estabelecidos.
Estudo ainda em prosseguimento porque, é claro, há sempre novas descobertas na longa evolução da vida que, através de tempos larguíssimos, nos trouxe toda a imensa riqueza da natureza, nela incluída a espécie humana.
Crivella também ignora o que seja comunidade científica. A comunidade científica não tem dúvidas sobre o acerto de Charles Darwin. As dúvidas do tipo “desenho inteligente” ou, pior, o criativismo que afirma simplesmente que Deus fez Adão e Eva, existem apenas na mente de pessoas que não pertencem à comunidade científica.
Estabeleçamos, de saída, uma premissa: se Deus existe, nada impediria que ele tivessse empregado a evolução das espécies, através da seleção natural, para que um dia dela surgisse o homem.
Portanto, é perfeitamente possível acreditar na Evolução das Espécies e crer que ela foi determinada por Deus.
Crivella continua falando bobagem ao dizer que, se a Evolução das Espécies fosse verdadeira, deveria existir uma criatura que fossse “metade homem e metade macaco”.
Ora, sem ofensa, vou sugerir a Crivella que se olhe no espelho. Ele é, como todos nós, mais de metade macaco.
Como assim? É simples: 96% dos genes humanos são também encontrados nos chimpanzés. Apenas 4% de nossos genes diferem daqueles encontrados em nossos mais próximos ancestrais.
Eu disse acima que seria perfeitamente possível a Deus ter criado o homem através do mecanismo da Evolução das Espécies. O que me parece muito mais difícil de acreditar é que Deus tenha criado o mundo em sete dias, seis mil anos atrás, pois a idade de nosso planeta é de mais de quatro bilhões de anos e a do Universo de mais de 14 bilhões de anos.
Os autores da Bíblia, Crivella, pensavam como homens que não tinham a menor ideia de que a Terra girava ao redor do Sol, que havia galáxias a bilhões de anos-luz de distância, etc.
O Universo é o que é (e pode até haver outros). O mistério continua. A religião desempenha um papel positivo quando estabelece valores éticos e negativo quando insufla o ódio entre crenças diferentes, como vemos em nossos dias.
A natureza não é nem benéfica nem maléfica. Ela pode ser maravilhosa, mas também está cheia de horrores, de predadores, de infanticídios, de doenças e de sofrimentos quase inimagináveis.
Crivella, quando Lázaro “ressuscitou”, foi um milagre ou ele recuperou-se de um coma? Quem pode saber com certeza? Você acha que daqui a 50 mil anos os humanos ainda vão acreditar em narrativas simplórias como Eva comendo a maçã ou Jonas sendo vomitado por uma baleia depois de passar três dias em sua barriga?
José Inácio Werneck, jornalista e escritor, trabalhou no Jornal do Brasil e na BBC, em Londres. Colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros. Cobriu Jogos Olímpicos e Copas do Mundo no exterior. Foi locutor, comentarista, colunista e supervisor da ESPN Internacional e ESPN do Brasil. Colabora com a Gazeta Esportiva. Escreveu Com Esperança no Coração sobre emigrantes brasileiros nos EUA e Sabor de Mar. É intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.
Direto da Redação é um fórum de debates, editado pelo jornalista Rui Martins.