Aniversário da Constituição tenta unir os Três Poderes

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Publicado quinta-feira, 5 de outubro de 2023 as 19:11, por: CdB

A produção do texto andou junto com a redemocratização, após mais de 20 anos de regime militar. Em 1985, Tancredo Neves – primeiro civil eleito à Presidência depois do período ditatorial, marcado por eleições indiretas – tinha a construção da Constituição como promessa de campanha. 

Por Redação, com BdF – de Brasília

A Constituição da República Federativa do Brasil completou 35 anos desde sua promulgação, nesta quinta-feira. Alvo de polêmicas, desde a proposta até sua aplicação, a legislação fundamental do país não é apenas um conjunto de leis, ela simboliza também um momento único na história brasileira.

Constituição
A nossa Constituição aparecia como uma peça de resistência às propostas de privatização, de desregulamentação e de liberalização desenfreada

A produção do texto andou junto com a redemocratização, após mais de 20 anos de regime militar. Em 1985, Tancredo Neves – primeiro civil eleito à Presidência depois do período ditatorial, marcado por eleições indiretas – tinha a construção da Constituição como promessa de campanha.

Com a morte dele, pouco antes da posse, a tarefa ficou para o então vice-presidente José Sarney, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte. A grande protagonista do processo foi a população brasileira, mas, entre os Três Poderes, o Congresso teve participação destacada.

 

Conservador

Entre fevereiro de 1987 e setembro de 1988, o parlamento recebeu movimentos populares, organizações da sociedade civil, especialistas, estudiosos e sugestões de todo o Brasil. Foram mais de 72 mil contribuições que vieram diretamente da população por meio de campanhas lançadas pelo Poder Legislativo.

O debate reuniu campos políticos opostos, envolveu Estados e municípios e foi permeado por polêmicas do início ao fim. De um lado, o campo conservador e políticos ligados à elite econômica diziam que o Brasil seria ingovernável e criticavam as garantias sociais que o texto trazia.

Do outro lado, a esquerda – muito representada pelo ainda jovem Partido dos Trabalhadores (PT) na ocasião – achava pouco. A manutenção de privilégios para militares, a ausência do tema reforma agrária e a falta de regulamentação de diversos pontos do texto eram considerados um risco grande para a democracia.

 

Instabilidade

Mesmo com os debates e as discordâncias, 35 anos depois, é possível dizer que a Constituição foi resiliente às crises históricas que o Brasil viveu nesse período. Já de saída, o país teve que lidar com o impedimento de Fernando Collor de Mello, em 1992. A lei fundamental do Brasil deu conta da situação e se provou forte em outros momentos de instabilidade.

 

— Quem é brasileiro sabe que nós não estamos acostumados a viver com tranquilidade, sempre há tensão — afirmou Marina Slhessarenko Barreto, pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, em entrevista ao site de notícias Brasil de Fato (BdF), nesta manhã.

Barreto lembra que o texto passou por debates intensos, que duraram cerca de 20 meses e refletiram diversidade e conflitos.

— Foi uma Assembleia Constituinte cheia de movimentos dos mais variados setores, de ruralistas a movimentos sociais, indígenas, enfim, uma plêiade de forças muito diversas. Isso realmente está no texto final — detalha.

 

Equilíbrio

O processo de construção do texto também deu o tom sobre como seria a política brasileira nas décadas seguintes. Dele nasceu o chamado ‘Centrão’, fruto de discordâncias dentro do PMDB nos debates da Constituição. Também ficou explícito quão delicadas seriam as relações entre os poderes e que o equilíbrio entre eles seria ponto central para a manutenção da democracia.

— A letra constitucional é muito bonita mesmo, ela emociona. A Constituição está no topo, mas a verdade é que dependemos de uma cascata de instituições, de leis, de pessoas abaixo dela que precisam ser implementadas. A Constituição é o primeiro e último passo. Não adianta ter só ela, temos que ter estruturas, agências de governo, instituições legislativas e movimentos sociais que funcionem — ressalta Slhessarenko.

Ainda segundo a pesquisadora, “quem é brasileiro sabe que nós não estamos acostumados a viver com tranquilidade, sempre há tensão”.

— É um texto que foi muito debatido, uma Assembleia Constituinte que foi cheia de movimentos dos mais variados setores, de ruralistas a movimentos sociais, indígenas, enfim, uma plêiade de forças muito diversas. Isso realmente está no texto final. Inclusive, durante o próprio debate constitucional, tivemos aquela frase que se imortalizou do Ulysses Guimarães falando que ingovernável não era a Constituição, ingovernável era a fome e a miséria e que a Constituição garantiria a governabilidade e a estabilidade de governo — lembra.

 

Nascimento

Ulysses Guimarães, lembrou ainda Barreto, “falou isso em resposta ao José Sarney, então presidente, que dizia que era um absurdo ter todo aquele catálogo de direitos e que a Constituição não ia sair do lugar, que ia ser fraca. Esse é um mote bastante importante neste 5 de outubro”.

— A Constituição, desde o seu nascimento, que foi bastante tenso, enfrentou outras diversas tensões. O impeachment de Collor foi, de fato, uma prova de choque. Tivemos também o afastamento de Dilma Rousseff, muito depois, em um outro cenário — acrescentou.

A Constituição coloca as regras do jogo, “sedimenta um campo, ela coloca o campo de futebol onde os jogadores vão jogar”, define a pesquisadora.

— Os jogadores são as instituições, os atores políticos, a sociedade civil, cidadãos, todo mundo junto. Esses atores vão fazer a Constituição no dia a dia. Ela não é o texto que foi promulgado em 1988, mas sim o texto que sobrevive desde então. É um texto que é praticado ou não praticado. Todos esses anos, todos esses choques, de fato, por um lado demonstram a resiliência da Constituição, demonstram que ela conseguiu ainda se manter como o básico das regras do jogo para esses atores políticos e para a sociedade civil — resumiu.

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