Ameaças de Cunha desestabilizam o governo de Temer e seus aliados

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Publicado terça-feira, 13 de setembro de 2016 as 13:51, por: CdB

Alvo inicial de Cunha é o ministro sem pasta Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), um dos principais articuladores do golpe, em curso

 

Por Redação – de Brasília

 

Depois de chorar e implorar pela manutenção de seus privilégios como parlamentar e se ver abandonado pela ampla maioria daqueles que o sustentaram, por mais de um ano, à frente da Câmara, o agora ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sai atirando. Em entrevista, após conhecer o placar de 450 votos favoráveis à perda do cargo por apenas 10 votos contrários, avisa que pretende revelar tudo o o que sabe sobre Temer, suficiente para “derrubar o governo” empossado após o golpe de Estado que cassou a presidenta Dilma Rousseff (PT).

Cunha, abandonado à própria sorte, foi deixado sozinho no Plenário da Câmara, durante a cassação de seu mandato
Cunha, abandonado à própria sorte, foi deixado sozinho no Plenário da Câmara, durante a cassação de seu mandato

Seu alvo inicial é o ministro sem pasta Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), um dos principais articuladores do golpe, em curso, e homem forte da gestão atual, além de ser amigo íntimo de Temer e sogro do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Cunha promete relatar irregularidades na Caixa envolvendo o ex-governador do Estado do Rio.

Em um encontro realizado em sua residência em Brasília, alguns dias antes da sessão que definiu pela sua perda de mandato, Cunha cobrou dos aliados na Câmara o nome dos deputados que, apesar de ajudados por ele, mudaram de lado e votaram pela cassação. Na lista, dos mais de 100 parlamentares que Cunha julgava ter sob seu comando, 90 traíram sua confiança. Estes parlamentares entraram na linha de tiro do peemedebista.

Sem o foro privilegiado, Cunha agora corre o risco de ser preso, a qualquer minuto, por ordem do juiz Sergio Moro, titular da Vara Federal do Paraná e coordenador da Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF). Cunha, conhecido por sua memória prodigiosa, e pela disseminação de dossiês contra seus adversários, também estuda um possível acordo de delação premiada na tentativa de salvar a mulher, Cláudia Cruz, e suas filhas da cadeia. As revelações de Cunha têm potencial para implodir o governo Temer.

Cunha, homem-bomba

Interlocutores de Temer estão inquietos diante das ameaças veladas do ex-deputado. Nesta manhã, em conversas veladas às quais a reportagem do Correio do Brasil teve acesso, os aliados do governo avaliam como “muito ruim” a reação do artífice da deposição de Dilma. Alguns, no entanto, avaliam que seria pior permanecer como “refém” do ex-presidente da Câmara.

Antes da cassação, Cunha ameaçou o governo de retaliar caso não obtivesse o apoio necessário, como de fato ocorreu. Segundo um assessor de Temer, que falou com o CdB em condição de anonimato, o assunto é tratado com cuidado, mas o momento seria para ser aproveitado, ao máximo, para a votação de temas delicados como criação do teto de gastos públicos, considerada essencial para o cumprimento das promessas de Temer aos grupos econômicos que sustentam a aventura golpista.

Embora Temer diga aos seus aliados, no Congresso, que “nunca abandonou Eduardo Cunha”, a afirmativa cai no vazio, diante da promessa do ex-parlamentar de sair, em público, com revelações bombásticas contra seu governo. Temer diz, ainda, que não está preocupado, pessoalmente, com as ameaça do ex-aliado, mas não esconde que tais revelações poderão abalar, definitivamente, sua gestão à frente do governo, nos próximos meses.

Cunha, na realidade, abandonado à própria sorte. Entre votos contra sua cassação, abstenções e ausências, somente 61 deputados se mantiveram ao seu lado na queda, em Plenário. Não faz muito tempo, seus aliados diziam que ele liderava uma bancada fiel que superava e muito os 100 parlamentares. Este número foi se esfarinhando enquanto se aproximava o dia da votação para o fim de seu mandato.

Logo após a cassação, Cunha disparou contra o Palácio do Planalto ao afirmar que Temer ajudou a eleger Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidência da Câmara, derrotando o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), que ele havia indicado para ocupar o cargo do qual foi afastado por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Vingança à vista

Ex-presidente da Câmara, Cunha teve seu mandato cassado nos últimos minutos da segunda-feira, marcando o fim de uma força política que detonou o processo de impeachment da presidenta Dilma, e, sem sair da linha polêmica que sempre marcou sua atuação, saiu atirando e apontou o governo de Michel Temer como um dos culpados pela perda do mandato. Para ele, o resultado com larga vantagem para sua cassação – 450 votos favoráveis, 10 contra e 9 abstenções – foi fruto de uma conjuntura que reuniu a articulação do governo e a proximidade das eleições municipais, além de ter sido alimentado por um desejo de “vingança” nutrido por aliados de Dilma.

— É o conjunto político, do processo de vingança, da conjuntura. E aí eu culpo o governo hoje, não porque o governo tenha feito nada para me cassar, mas quando o governo patrocinou a candidatura do presidente que se elegeu em acordo com o PT, o governo, de uma certa forma, aderiu à agenda da minha cassação — disse.

Cunha referia-se à eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao comando da Casa, candidatura que contou com o apoio de aliados de Dilma justamente por ser a mais competitiva em contraposição ao candidato mais identificado com Cunha.

— Eu disse que o governo é culpado quando fez o patrocínio, porque quem elegeu o presidente da Casa foi o governo, quem derrotou o candidato Rogério Rosso (PSD-DF) foi o governo — afirmou, negando no entanto, que seja de seu feitio fazer ameaças.

A cassação de Cunha marca o fim, ao menos por ora, de sua carreira política, já que com a Lei da Ficha Limpa a perda do mandato o deixa inelegível por oito anos, mas não encerra a controvérsia que cerca o deputado. Cresce agora, no ambiente político, o temor que faça uma delação premiada no âmbito da Lava Jato, podendo envolver integrantes do atual governo.

Questionado por jornalistas se faria este tipo de acordo, Cunha afirmou que apenas criminosos fazem delação e, como segundo disse, não cometeu crimes, não tem o que delatar.

Cunha saiu de um contexto em que era uma das principais lideranças políticas do Congresso para uma situação de debandada de aliados. Antes, no tempo em que presidiu a Câmara entre 2015 e 2016, reuniu um grupo de parlamentares da base do governo Dilma que sob seu comando impôs derrotas importantes em votações caras ao Palácio do Planalto.

O grupo de mais de 200 parlamentares tornou-se uma tropa capaz de prolongar a tramitação do processo de cassação por quebra de decoro parlamentar que Cunha sofreu sob a acusação de ter mentido quando depôs espontaneamente à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras. Na ocasião, negou ter contas no exterior, mas documentos dos Ministérios Públicos da Suíça e do Brasil apontaram a existência de contas dele e de familiares no país europeu.

Ainda assim, Cunha mantinha sua força política junto ao grupo de mais de 200 parlamentares e ganhou especial interesse de integrantes da oposição a Dilma, que viam no deputado a chance de levar adiante um impeachment da então presidente. Passou a ver sua força diminuir quando o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia e o transformou em réu, em março deste ano. Depois, em maio, o STF determinou seu afastamento do cargo de presidente da Câmara e a suspensão de seu mandato. Em junho, o deputado tornou-se réu em uma segunda ação penal.

Não bastassem os reveses jurídicos, Cunha passou a perder aliados no campo político. Uma vez efetivado o impedimento de Dilma, passou a sofrer críticas duras da oposição à petista. A situação chegou ao ponto de aliados aconselharem-no publicamente a renunciar antes que o Conselho de Ética aprovasse um parecer pela cassação. Perdeu o timing, e, em seu último discurso antes da votação que cassou seu mandato, pediu que os colegas votassem não pelo conjunto da obra, mas pelas acusações específicas que recaem sobre ele.

Em sua defesa, adotou uma postura de ataque e disse ser vítima de vingança por ter aceito o pedido de abertura de processo de impeachment, além de afirmar que recebeu tratamento diferenciado por parte da Justiça.

— Alguém tem dúvida que se não fosse a minha atuação teria aquele processo de impeachment? É só por vingança — declarou da tribuna, pouco antes da votação que selou seu destino político..

Longo processo

A representação que deu origem a processo de cassação foi apresentada em outubro do ano passado pelo PSOL e pela Rede, além de ter sido assinada por deputados de outros partidos, muitos deles do PT, a partir de denúncias da existência de contas bancárias secretas na Suíça de Cunha e de familiares. Após muitas idas e vindas, o Conselho de Ética aprovou, em junho, o parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO), pela cassação do mandato do parlamentar.

Aliados, já mais esparsos, tentaram recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, sem sucesso, e também lançaram mão de prerrogativas do regimento para tentar amenizar a pena do deputado. Chegaram a aventar a possibilidade de, a exemplo do que foi feito na votação que cassou o mandato de Dilma mas manteve seus direitos políticos, fatiar a votação.
O deputado Carlos Marun (PMDB-MS), por exemplo, apresentou questão de ordem defendendo que pudesse ser colocado em votação não o parecer de Rogério pela cassação, mas um projeto de resolução, passível de ser emendado –comportando, inclusive, uma pena mais branda a Cunha.

Mas apesar do empenho de Marun, e da iniciativa do próprio Cunha de procurar pessoalmente vários deputados, pedindo que não dessem quórum na sessão desta segunda-feira, a proximidade das eleições municipais e a pressão popular não deixaram muita margem para outro resultado que não a cassação.