Acorda, Presidente!

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Publicado segunda-feira, 21 de junho de 2004 as 12:16, por: CdB

A derrota da proposta de salário mínimo igual a R$ 260,00 no Senado Federal devia soar no Palácio do Planalto como um despertador: acorda, presidente! A foto da senadora Heloísa Helena de braço levantado, quase ombro a ombro com o sorriso do senador Antonio Carlos Magalhães, dá o que pensar. Enquanto isso o PSDB fica rindo à toa. À tucanagem interessa um aumento real do mínimo, como reivindicado por trabalhadores do Oiapoque ao Chuí e do Cabo Branco a Cruzeiro do Sul? Nunca. Interessa isso sim a demonstração da “incapacidade” parlamentar do governo, a sua “inépcia” para administrar a política.

Nessa altura o Planalto se encalacrou. Se amargar uma derrota na Câmara, no retorno da medida provisória modificada, vai ter que vetá-la. Se ganhar na Câmara, vai comemorar o quê?

Está no adiantado da hora do presidente acordar e perceber o que está acontecendo. Todo governo tem uma frente eufórica e uma frente mais depressiva. Isto se chama hoje “distúrbio bi-polar do humor”. Digamos que parte do engenho de governar repousa em saber administrar esse distúrbio, esse agitar-se entre o desejo, a promessa, o possível e o real.

Presidente: olhe o passado recente. Mais exatamente, o governo do seu antecessor. Quem administrava o lado eufórico era o presidente Fernando Henrique, com seu sorriso e o ar bonachão de quem estava pronto para pegar o avião e ir dar uma aula logo ali, na Sorbonne. Precisava exibir a frente depressiva, lá vinha o Ministro Pedro Malan. Meu pai tinha uma expressão curiosa: um sujeito “zarro”. Nunca entendi direito o que era um sujeito “zarro”, até ver o Ministro Malan. O Ministro Malan, certamente, era “zarro”.

Mas está certo. Presidente é para administrar o futuro; Ministro da Fazenda é para administrar o descontentamento, já que a economia é cada vez mais a arte de tornar explicável o que é insuportável.

Agora vemos o contrário. Há poucos dias uma mexida nos números, uma pequena elevação nos índices de produção, remeteu o atual Ministro da Fazenda para as alturas em quase todos os jornais da imprensa conservadora no país. Era “o czar da economia” pra cá, era o “fio a prumo” do governo pra lá, e tudo envolto em loas e sorrisos de toda a espécie… Enquanto isso continuamos amargando essa política econômica que há décadas destroça o país como uma bomba de nêutron: arrasa com a vida da maioria das pessoas, mas preserva as instituições, os índices, o superávit primário, os sorrisos no FMI.

E enquanto isso o presidente faz o trabalho depressivo de ter de fazer quedas de braço para explicar para o país inteiro um salário mínimo que preserva a mesma política econômica que vai destroçando a esperança. O presidente tem de se empenhar na batalha parlamentar para manter o achatamento da renda salarial em níveis insuportáveis. O presidente tem de correr o país pela televisão para tornar explicável o inaceitável.

Algo está errado. Devia ser o contrário; o presidente, todo sorrisos, devia estar congraçando o povão para trabalhar pelo Brasil, agora que os salários estão desde já começando a recuperar o terreno perdido na participação na renda nacional. E o Ministro da Fazenda é quem devia estar fazendo cara feia na TV, explicando para a nossa gente de mentalidade burguesa e cortesã que os dias da orgia financeira estão por acabar, e que podia ser pior, pois é melhor do que qualquer outra coisa contar com um governo que saiba conduzir pacificamente a inadiável transição econômica do país para uma economia integrada ao invés de uma economia desintegradora.

E depois para quê o presidente faz o que faz, e para quem? No fundo para agradar essa mentalidade que chamei de “burguesa e cortesã”, que só vê de bom no país as pistas dos aeroportos de onde decolam os vôos para o Atlântico Norte, essa gente de “espírito litorâneo”, de costas voltadas para nossas raízes, exceto as do patrimonialismo e do favor.

Quem hoje ri à vontade com o salário baixo e os juros gordos são os mesm