A reforma agrária e o desafio da nova agenda democrática

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Publicado terça-feira, 7 de dezembro de 2004 as 11:04, por: CdB

Um passo inicial para se analisar o sentido histórico deste fórum inédito que começou os seus trabalhos neste dia 5 em Valencia, Espanha, é identificar as forças políticas e sociais que o animam. Na mesa de abertura do Fórum estavam representantes de dois governos, o do Brasil e o da Espanha, respectivamente Miguel Rossetto, Ministro do Desenvolvimento Agrário, e Francisco Amarillo, do Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação. Um governo formado na luta contra o neoliberalismo no Brasil e outro eleito como expressão forte de um posicionamento contra o envolvimento do governo espanhol na ofensiva militarista de Bush no Iraque.

O primeiro expositor que tomou a palavra foi Rafael Alegria, de Honduras, representando a Via Camponesa,uma das mais representativas frentes de movimentos sociais agrários hoje no mundo.O Fórum tem como esteio organizativo o Centro de Estúdios Rurales y Agricultura Internacional (Cerai), ONG espanhola que subsidia e apóia as lutas por um mundo rural de desenvolvimento sustentável, justo e democrático participativo. 

O  Fórum Mundial da Reforma Agrária é isto : a convergência de 55 ONGs, 54 organizações camponesas e 33 instituições acadêmicas de pesquisa de todo o mundo. Ao todo, mais de 600 delegados, vindos de 70 países e representando mais de 140 entidades. No centro, o desafio de repor a reforma agrária na agenda democrática internacional.

Uma perspectiva central do encontro é a noção de soberania alimentar, isto é, a defesa do princípio de que aos diferentes povos do mundo deve ser assegurado o direito de produzir ,em seu próprio país, os alimentos que necessitam. Esta perspectiva pode e deve ser vista, de fato, como complementar à campanha mundial contra a fome e pela paz que foi recém lançada pelos governos do Brasil, França, Espanha e Chile e que teve, já na origem, o apoio de dezenas de chefes de governo de todo o mundo. A reforma agrária seria o elo entre estes dois anseios, o de enfrentar a fome que afeta cerca de 800 milhões de habitantes do planeta e o de superar a crise agrária que se abate sobre as populações dos países da periferia ou semi-periferia do mundo. De fato, segundo a FAO, cerca de 70 % daqueles que vivem abaixo da linha de pobreza no mundo constituem populações rurais.

Trata-se, como bem expressou o Ministro Miguel Rossetto na abertura do Fórum, de um período de transição, no qual a agenda neoliberal dominante no período anterior ainda exerce a sua presença através das grandes corporações, dos organismos multilaterais e dos tratados de comércio em negociação.Resistir a eles e ir formando uma nova agenda mundial, expressiva dos anseios de mudança, parece ser o grande desafio do momento. O Fórum Mundial pela Reforma Agrária é uma peça histórica desta época de transições.

Não deixa de ser importante notar que o que se passa hoje no Brasil tem uma grande centralidade neste esforço de criação de uma nova agenda democrática internacional.Não apenas porque o MST é um dos principais movimentos de massa hoje no mundo a luta pela reforma agrária,como também pelo fato de que há enorme expectativa sobre os rumos da reforma agrária no governo Lula. Mais de 40 % dos delegados presentes ao Fórum vêm da América Latina. E é a inserção da luta pela reforma agrária na nova conjuntura política da América Latina que devemos consultar para compreender mais profundamente os desafios históricos que estão pela frente.

As épocas da reforma agrária

O retorno da luta pela reforma agrária com mais visibilidade na América Latina faz parte de uma nova conjuntura política do continente marcada pelas vitórias eleitorais sucessivas de forças críticas ao neoliberalismo na Venezuela, Argentina, Brasil, Chile e, agora, no Uruguai. Todos os governos destes países estão submetidos ao desafio de transitar para um outro paradigma de Estado alternativo ao neoliberal, dominante no continente no período anterio