A penosa transição

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Publicado terça-feira, 18 de outubro de 2005 as 13:10, por: CdB

Já temos quase tanto tempo de governo civil quanto tivemos de governo militar: no próximo 15 de março fará vinte e um anos que o Sr. José Sarney assumiu a presidência da República, em lugar de Tancredo, que se hospitalizara na véspera e morreria no mês seguinte. Mas, apesar de tanto tempo, ainda não concluímos a transição política. Estamos sem saber exatamente o que fazer.

Os militares, mal ou bem, tiveram um projeto e o executaram. Eles o dividiram em duas partes: a econômica e a política. O projeto econômico era – embora não o proclamassem – o de dar continuidade ao projeto nacional de desenvolvimento, com a autonomia energética, a ocupação do território, e a modernização da infra-estrutura, iniciado por Vargas, e acelerado por Juscelino. Seguindo a orientação nacionalista dos dois antecessores civis, os militares usaram as empresas estatais e de economia mista como suporte para o crescimento. Construíram rodovias, algumas frustradas, como a inconclusa Transamazônica. Abriu-se a cunha de penetração, seguindo um eixo diagonal do Rio e São Paulo rumo a Rondônia e ao Acre, ocupação que favoreceu toda a parte ocidental do país.

Foi inegável o êxito dos militares na modernização da economia, sobretudo no setor das telecomunicações e dos transportes rodoviários. A Petrobras, que teve alguns momentos difíceis (um deles ocorreu durante o governo Geisel, quando se apelou para os contratos de risco, de resto sem resultados efetivos) consolidou-se como uma das maiores empresas petrolíferas do mundo, atuando com êxito também no estrangeiro.

Nesse movimento houve uma jogada enganosa. Os norte-americanos, ao patrocinar o golpe militar, temiam que as reformas de base, decididas pelo governo Jango, viessem a assegurar o desenvolvimento autônomo e rápido do país, o que ameaçaria o seu domínio continental, e favoreceria o desequilíbrio mundial, em favor da União Soviética: o Brasil não era, e não é, apenas uma ilha, como Cuba. Ao dar continuidade ao projeto nacional de Vargas, principalmente a partir de Costa e Silva, os militares se desviaram do que pretendiam os norte-americanos. Mas cometeram o erro estratégico de não se aproximarem mais firmemente da Europa, apesar dos acordos nucleares com a Alemanha e da ofensiva comercial na venda de commodities. Faltou uma aproximação política mais decidida.

Embora seja comum afirmar-se que foram governos austeros e honestos, é certo que houve, sim, e muita, corrupção, embora nenhum dos generais presidentes possa ser pessoalmente disso inquinado. Ao que se sabe, todos morreram modestamente. Mas alguns de seus auxiliares, entre eles ministros de Estado, enriqueceram-se, e muito, em associação com os grandes empresários nacionais e estrangeiros. Alguns preferiram emigrar e vivem administrando negócios fabulosos no Exterior.

O projeto político dos militares foi medíocre. A chamada ala da Sorbonne, liderada por intelectuais como o marechal Castello Branco e o general Golberi Couto e Silva, proclamava o objetivo de moralizar os costumes políticos, afastar a ameaça do comunismo e devolver o poder a uma elite civil conservadora. Prevaleceu, no entanto, a regra de que quem se encontra no poder não se dispõe a deixá-lo voluntariamente.

Golberi chegou mesmo a dizer que só os incapazes o perdem. Foi assim que, contando com a força, os militares promoveram a brutal repressão policial, que assassinou centenas de militantes, na maioria jovens; impediram o aparecimento de novas lideranças políticas, nomearam interventores para os Estados, mediante farsas eleitorais indiretas, criaram senadores biônicos, corromperam e perverteram as chefias municipais, ao incentivarem a remuneração desmesurada dos vereadores e prefeitos, cassaram mandatos e conservaram sob férreo controle os velhos e honrados homens públicos que se mantiveram nas duas casas do Congresso. Em conseqüência, perdemos o que podíamos definir como a nossa “cultura política”.

Com o desaparecimento da geraç