A morte na política brasileira

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Publicado sexta-feira, 2 de setembro de 2005 as 10:00, por: CdB

A palavra “morte” não pára de ser repetida no atual cotidiano de nossa política. O grau de dramatização verbal do uso destas alocuções fúnebres explode nas grandes mídias que adoram o espetáculo e são como uma espécie de altar de sacrifícios simbólicos.

A palavra “morte” não pára de ser repetida no atual cotidiano de nossa “alta” política. O suicídio vem sendo invocado como possível saída ou solução. Fala-se em morrer, como derradeiro ato que comprovaria as verdades do que se diz. Pagar-se-ia com a vida por aquilo que não quer calar ou não tem como se sustentar. O grau de dramatização verbal do uso destas alocuções fúnebres explode nas grandes mídias que adoram o espetáculo e são como uma espécie de altar de sacrifícios simbólicos.

O sofrimento que leva à morte por opção consiste em algo de grande ambigüidade em nossa cultura. De um lado, aproxima os homens e as mulheres de deus, por meio da imitação de Cristo. Por outro, é demonizado pelo cristianismo quando fruto da opção pessoal: o suicídio. Sofrer por efeito das ações de outros ou da natureza é repetir a via crucis. Matar-se, significaria um supremo gesto de blasfêmia aos desígnios divinos.

No Brasil, como em toda a América Latina, o fantasma da morte perseguiu de modo veemente os que ousaram discordar e se organizar contra o status quo. No caso brasileiro, se fosse possível juntar as insurgências dos indígenas e dos escravos entre os séculos XVI e XIX, as revoltas liberais do XVIII e XIX, as revoltas operárias, camponesas e estudantis dos últimos cem anos e as centenas de opositores ideológicos eliminados na modernidade ter-se-ia um verdadeiro rio de sangue.

A maioria dessas vítimas foi assassinada de modo direto. Em poucos casos, foram levados à morte (suicídio induzido) por terem sido reduzidos a trapos humanos, por efeito da tortura ou do isolamento a que foram submetidos. Felizmente, muitos sobreviveram para contar pelo que passaram e o que ocorreu com os que morreram. Trata-se do arbítrio presenciado. Sabe-se dos culpados, mesmo que, de modo geral, eles jamais tenham sido punidos por seus crimes da forma que mereceriam. Esta história vem se repetindo há séculos em toda a América Latina.

No Brasil, apenas um presidente da República suicidou-se em um ato dramático (1954) com repercussões ainda atuais. Transformou-se em um mito e seu ato adiou o Golpe Militar de 1964. Como dizia sua “carta-testamento”, ele “saiu da vida para entrar na história”. Com isto, o exame objetivo de seus dois governos ficou prejudicado por muitos anos. O drama da morte de Vargas e, sobretudo, sua exploração midiática serviram a interesses diversos nas composições políticas que o status quo teve que fazer, na era que se inauguraria com o seu desaparecimento.

Não há registro, no Brasil, salvo engano, de nenhum outro presidente, ministro, oficial de alta patente, administrador público de relevo, parlamentar federal, juiz de uma alta corte, dentre outros que tenham se suicidado ou sido assassinado por razões políticas. Por isto, o caso recente e pouco esclarecido do prefeito Celso Daniel, de Santo André (SP), – torturado e morto, em meio a um escândalo de corrupção – ainda causa comoção, indignação e perplexidade.

Outros casos de assassinatos políticos ocorridos há mais tempo – o mais rumoroso foi o do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura militar – também chamaram à atenção do grande público. Não é comum que isto aconteça no país. As mortes violentas destas pessoas ocorrem somente em casos raros, normalmente vinculados a problemas passionais, disputas de terras e eleitorais e ao latrocínio. Estas mortes são igualmente ‘políticas’, mas quase sempre não são operadas por alguém a serviço governamental. Trata-se da vinculação do privado ao público, como é comum na América Latina.

A morte, apesar de ser universal e certa para todos, é mais rápida e mais fácil para os milhares que desaparecem, ainda jovens, como vítimas de doenças