A lenda dos peregrinos

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Publicado sábado, 23 de setembro de 2006 as 23:05, por: CdB

Existe um mito fundamental para a auto-estima dos norte-americanos: sua crença na “excepcionalidade” dos 102 puritanos que saíram da Inglaterra, no início do século XVII, atravessaram o Atlântico no navio Mayflower, e desembarcaram em Massachusetts, no dia 21 de dezembro de 1620, com a decisão de criar uma nova sociedade no continente americano. Do ponto de vista dos mortais, eles eram apenas um grupo de ingleses pobres e puritanos que começaram a cultivar as terras da Nova Inglaterra, depois de fundar a cidade de Plymouth. Do ponto de vista da mitologia norte-americana, entretanto, estes senhores atravessaram o Atlântico para plantar a semente moral e ética de um povo escolhido para redimir os pecados da Europa. Com o tempo, este “mito fundador” e a idéia da “excepcionalidade” histórica dos Estados Unidos se transformaram numa peça central de todo o pensamento norte-americano, reforçado pela tese de alguns cientistas sociais e economistas que acham que o desenvolvimento do capitalismo norte-americano foi absolutamente original, graças à força do seu próprio capital financeiro, e à inventividade de suas Grandes Corporações.

Quando se olha mais de perto, entretanto, a história do capitalismo norte-americano é menos original do que parece. Por uma razão muito simples: os Estados Unidos foram o primeiro Estado nacional que se formou fora da Europa, mas eles não romperam com a Inglaterra e mantiveram uma posição privilegiada dentro do “território econômico britânico”. Alguns de seus presidentes se consideravam descendentes dos primeiros peregrinos, mas na verdade do “vamos ver” sua opção foi negociar e manter uma posição privilegiada, dentro do espaço imperial britânico. E só assim se consegue compreender o sucesso imediato do “expansionismo” territorial e econômico dos Estados Unidos, a partir da própria Independência. O fundamentalismo puritano pode ter ajudado uns e outros, mas muito antes que se formassem as Grandes Corporações, os Estados Unidos começaram um movimento de expansão contínua e ininterrupta, através do comércio e da diplomacia, mas também, através da guerra, como na história da Inglaterra. O primeiro passo foi dado na própria Guerra da Independência com a Inglaterra, mas logo se seguiu uma sucessão de 37 sucessivas “guerras indígenas”, curtas e crônicas, ao Sul, Norte e Oeste. Depois vieram as Guerras do Texas, em 1837, e do México, em 1846, que trouxeram junto, com as vitórias, um aumento de 60% do território inicial das 13 Colônias. Mais à frente, foi a vez da Guerra Civil de 1861-65, e no final do século XIX, a Guerra Hispano-Americana, em Cuba e nas Filipinas.

Paralelo à expansão territorial, os Estados Unidos também usaram as suas armas para expandir seu comércio, atacando o norte da África, e bombardeando a cidade de Trípoli, em 1804, e a cidade de Argel em 1815; assim como na Ásia, bombardeando Cantum, em 1856; Shimonseki Strait, no Japão, em 1863, e a Coréia, em 1871. A mesma tendência expansionista e bélica que se manteve durante todo o século XX, quando os Estados Unidos fizeram cerca de 50 intervenções militares fora do seu território, antes e depois do fim da II Guerra Mundial, e do lançamento – pela aviação norte-americana – de duas bombas atômicas, sobre as cidades japoneses de Hiroshima e Nagasaki.

Por outro lado, do ponto de vista da expansão estritamente comercial e diplomática dos interesses norte-americanos, logo em 1784 já era possível encontrar navios mercantes americanos nos portos chineses. E logo que foi encerrada a Guerra da Independência, os Estados Unidos assinaram imediatamente um acordo econômico com a Inglaterra – o Jay’s Treaty de 1794 – estabelecendo as bases da sua parceria de longo prazo, que abriu de imediato, aos navios norte-americanos, os portos das colônias inglesas do oriente, em Oman, Batavia, Manilha e Cantun. Meio século depois, os americanos assinaram seu primeiro Tratado Comercial de Wanghia, com a China, em 1844, conquistando acess