Almodóvar teme receber represálias por manifestar contra guerra

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Publicado terça-feira, 4 de março de 2003 as 09:06, por: CdB

Ser manifestante pacifista e candidato ao Oscar de Hollywood pode significar uma mistura incompatível.

O cineasta espanhol Pedro Almodóvar sabe disso e reconheceu que se preocupa com a possibilidade de receber represálias da Academia de Cinema dos Estados Unidos por ter liderado a manifestação de Madri contra a guerra no Iraque.

“Se isso acontecesse, seria um escândalo. E todos deveríamos denunciar e sair às ruas com um cartaz dizendo que não é possível e é uma injustiça. Mas eu realmente não sei o que pode acontecer. A Academia é um mistério”, disse o cineasta, candidato aos prêmios de melhor diretor e melhor roteiro original pelo filme Fale com ela.

Para Almodóvar, a postura antiguerra pode custar caro a várias personalidades do cinema, já que algumas empresas ou produtores próximos ao governo do presidente George W. Bush são capazes de revanche.

Patrulha

“Eu tenho menos problemas do que Susan Sarandon ou Angelica Houston para dizer claramente o que penso porque comigo há muito menos possibilidades de vinganças”, disse o cineasta, comparando-se com as duas atrizes americanas que também têm se manifestado contra um eventual ataque ao Iraque.

“A minha carreira está longe daquele lugar (Estados Unidos).”

“Não quero dizer que vai começar uma caça às bruxas, mas é possível que a partir de agora um produtor que não goste dessa postura política, ao avaliar um trabalho diga: ‘essa pessoa não, porque é ativista. Essa eu não quero’.”

Com seu habitual senso de humor, Almodóvar disse que ao menos a possibilidade de represália serve para um coisa. Se ele não ganhar nenhuma estatueta no próximo dia 23, já tem uma explicação e em quem botar a culpa.

Produtor

Além de falar das expectativas em relação ao Oscar, Almodóvar também falou de seu trabalho como produtor no longa-metragem Mi vida sin mi (Minha vida sem mim, na tradução livre), da também espanhola Isabel Coixet.

A história, que é rodada no Canadá, conta os últimos dias da vida de uma mulher. No elenco, além de atores canadenses e americanos, estão a espanhola Leonor Watling (protagonista de Fale com ela) e a portuguesa Maria de Medeiros.

A personagem principal, Ann, tem 23 anos, um casamento feliz, duas filhas, um trabalho de faxineira e, apesar das dificuldades financeiras e familiares, leva uma vida simples e agradável.

Um dia Ann descobre que tem uma doença terminal e que lhe restam dois meses de vida. Ela decide não contar a ninguém e faz uma lista de coisas que quer fazer antes de se despedir da vida.

Almodóvar contou que quando viu o roteiro, pensou em dirigir o filme. Mas aceitou produzi-lo porque gostava da idéia e da atitude de Coixet “decidida e suicida” para rodar um filme em cinco semanas”. “Eu não faria isso nunca”, disse.

A diretora elogiou o “chefe” pela liberdade que ele lhe deu, apesar das opiniões divergentes em alguns momentos e ouviu Almodóvar responder que ele mesmo gostaria de ter um produtor assim.

Sem drama

O filme não tem excessos dramáticos nem tons melancólicos. Ao lado de Almodóvar, Isabel Coixet disse que tem horror a imagens mórbidas, de deterioro físico e hospitais. Por causa disso, teria optado por mostrar a história com ternura e até bom humor.

Para escolher o elenco, a cineasta chegou a testar atrizes consagradas como Juliette Lewis ou Liv Tyler, mas disse que não imaginava que essas mulheres seriam convincentes no papel de faxineiras, de vidas simples e anônimas.

Para justificar seu segundo filme em inglês (o anterior foi Things I never told you), a diretora disse que a história só caberia em um ambiente como aquele.

“Cada roteiro tem seu lugar, sua linguagem, seu habitat. Seria muito difícil acreditar que essa história acontecesse na Espanha. Que alguém tenha um segredo assim e possa mantê-lo. O Canadá oferece essa cultura de famílias menos ligadas”, explicou Coixet, que trabalha muito nos Estados Unidos como diretora de anúncios publicitários.

Os dois