Filme alemão retrata o lado humano de Hitler

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Publicado quarta-feira, 25 de agosto de 2004 as 12:24, por: CdB

Um retrato espantosamente convincente de Adolf Hitler apresentado em um filme alemão sobre seus últimos 12 dias de vida está causando polêmica, e críticos contestam o fato de o trabalho mostrar o “monstro” como um ser humano.

Baseado em depoimentos de testemunhas oculares e no livro homônimo do historiador Joachim Fest, “Der Untergang” (“A Queda”) vai estrear na Alemanha em setembro e é uma das primeiras tentativas feitas no país de retratar Hitler no cinema.

Relatado desde o ponto de vista de Traudl Junge, uma das secretárias pessoais de Hitler, o filme traz uma abordagem menos tensa do passado, refletindo a mudança de atitude de um número crescente de filmes alemães sobre a era nazista.

Confinado a seu bunker parcamente mobiliado, Hitler ordena a ida à batalha de unidades militares inexistentes e declara que a nação alemã derrotada “se mostrou indigna” dele.

Seus assessores bebem o último vinho que existe no bunker e discutem a maneira melhor de cometer suicídio, enquanto, do lado de fora, velhos e crianças são mandados para um combate contra os tanques russos. Hitler comete suicídio em 30 de abril, mas os combates continuam por mais uma semana.

O ator suíço Bruno Ganz consegue ter uma semelhança fotográfica grande com o ditador de 56 anos, grisalho e encurvado, atingido pelo mal de Parkinson, o que o leva a esconder sua mão trêmula atrás das costas.

O estranho sotaque bávaro-austríaco de Ganz lhe confere uma vantagem natural sobre as versões anteriores de Hitler vividas por Alec Guinness em “The Last Ten Days”, de 1972, ou Anthony Hopkins em “The Bunker”.

Suas explosões hipnóticas de raiva diante da incapacidade do Exército alemão de refrear o avanço soviético sobre Berlim são entremeadas por momentos de gentileza para com suas funcionárias mulheres e de ternura com Eva Braun, com quem se casa um dia antes de cometerem suicídio.

Causa polêmica o fato de Hitler em alguns momentos ser mostrado como figura quase simpática e de o Holocausto ser mencionado apenas brevemente em suas invectivas.

O produtor Bernd Eichinger, que também produziu “O Nome da Rosa”, diz que foi inevitável provocar algum grau de empatia com Hitler.

“Para compreender a história, é preciso entender as pessoas que a fazem”, disse ele à televisão alemã ZDF.

A revista Spiegel dedicou sua capa desta semana ao filme e disse que Eichinger conseguiu um feito inédito: “Conferir um rosto real ao drama absurdo que se desenrolou no bunker de concreto.”

Mas os críticos indagam se tal tratamento se justifica, no caso do homem que ordenou o Holocausto e desencadeou a Segunda Guerra Mundial, que deixou 50 milhões de mortos.

O jornal Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung indagou: “‘Der Untergang’ nos faz questionar se devemos ser autorizados a sentir solidariedade por Hitler.”

Para o jornal de Berlim Der Tagesspiegel, “este Hitler, que é tão simpático com as funcionárias do bunker, ao mesmo tempo em que manda um povo inteiro do lado de fora ao matadouro, desperta simpatia, sim. Um sujeito solitário, traído por seus seguidores, que se conserva firme até o fim — não será ele um herói, não tão simpático quanto alguns dos personagens coadjuvantes, mas mesmo assim alguém fora do comum?”

Eichinger disse que já era hora de surgir um filme alemão sobre Hitler.

“Quando se chama a atenção para o maior colapso físico e psicológico possível de uma civilização inteira — ou seja, de nossa nação alemã –, então deve ser possível contarmos esta história nós mesmos”, disse ele. “Precisamos contá-la.”